30 junho 2012

jean genet / uma solidão mortal






               (...)

               ...«uma solidão mortal»...

               Na taberna podes dizer graças,
               brindar com quem quiseres, qualquer um.
Mas o Anjo anuncia-se e deves isolar-te
               para o receber. Para nós, o Anjo é a noite
               que desceu à pista fulgurante.
               Que a tua solidão paradoxalmente se ilumine toda
               e pouco importe a escuridão feita de milhares de olhos
               que te julgam, temem e esperam que caias;
               vais dançar sobre e dentro de uma solidão deserta,
               de olhos vendados, se possível com as pálpebras agrafadas.

               Mas nada - nem mesmo aplausos ou risos -
               pode impedir-te de dançares para a tua imagem.
És um artista - ai de mim - não podes recusar-te
               ao precípicio monstruoso dos teus olhos.

               Narciso dança?

               Sim, ma sé coisa totalmente alheia à graça sedutora,
               ao egoísmo e amor de si próprio.

               E sendo a Morte, em pessoa?

Deves dançar sozinho. Empalidecido, na ânsia
               de agradar à tua imagem:
               ou a tua imagem é quem dança para ti.

               (...)






jean genet
o funâmbulo
trad. de aníbal fernandes
hiena editora
1984







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