No meu último repasto
Quero ver os meus irmãos
E os meus gatos e os meus cães
E a beira do mar
No meu último repasto
Quero ver os meus vizinhos
E também alguns Chineses
Em jeito de primos
E quero que se lá beba
Além do vinho da missa
Aquele vinho tão bonito
Que se bebia em Arbois
Quero que se lá devore
Após umas tantas sotainas
Uma faisoa
Vinda do Périgord
Depois quero que me levem
Ao cimo da minha colina
Ver as árvores fechar os
Braços para dormir
E depois quero ainda
Atirar pedras ao céu
E gritar Deus morreu
Uma última vez
No meu último repasto
Quero ver o meu burro
As minhas galinhas e os meus gansos
As minhas vacas e as minhas mulheres
No meu último repasto
Quero ver essas desavergonhadas
De quem fui dono e senhor
Ou que foram minhas senhoras
Quando tiver na pança
Com que afogar a terra
Quebrarei o meu corpo
Para impor silêncio
E cantarei aos berros
Para a morte que chega
As canções libertinas
Que metem medo às freirinhas
Depois quero que me levem
Ao cimo da minha colina
Ver o crepúsculo que se encaminha
Lentamente para a planície
E aí ainda de pé
Insultarei os burgueses
Sem medo e sem remorsos
Uma última vez
Após o meu último repasto
Quero que se vão todos embora
Que continuem o festim
Mas não sob o meu tecto
Após o meu último repasto
Quero que me instalem
Sentado só como um rei
Acolhendo as suas vestais
No meu cachimbo queimarei
As recordações de infância
Os sonhos inacabados
Os restos de esperança
E apenas conservarei
Para vestir a minha alma
A ideia de uma roseira
E um nome de mulher
Depois olharei
O cimo da minha colina
Que dança que se adivinha
E acaba por se afundar
E entre o cheiro das flores
Que não tarda a extinguir-se
Sei que terei medo
Uma última vez
jacques brel
antologia poética
trad. eduardo maia
assírio & alvim
1997
Quero ver os meus irmãos
E os meus gatos e os meus cães
E a beira do mar
No meu último repasto
Quero ver os meus vizinhos
E também alguns Chineses
Em jeito de primos
E quero que se lá beba
Além do vinho da missa
Aquele vinho tão bonito
Que se bebia em Arbois
Quero que se lá devore
Após umas tantas sotainas
Uma faisoa
Vinda do Périgord
Depois quero que me levem
Ao cimo da minha colina
Ver as árvores fechar os
Braços para dormir
E depois quero ainda
Atirar pedras ao céu
E gritar Deus morreu
Uma última vez
Quero ver o meu burro
As minhas galinhas e os meus gansos
As minhas vacas e as minhas mulheres
No meu último repasto
Quero ver essas desavergonhadas
De quem fui dono e senhor
Ou que foram minhas senhoras
Quando tiver na pança
Com que afogar a terra
Quebrarei o meu corpo
Para impor silêncio
E cantarei aos berros
Para a morte que chega
As canções libertinas
Que metem medo às freirinhas
Depois quero que me levem
Ao cimo da minha colina
Ver o crepúsculo que se encaminha
Lentamente para a planície
E aí ainda de pé
Insultarei os burgueses
Sem medo e sem remorsos
Uma última vez
Quero que se vão todos embora
Que continuem o festim
Mas não sob o meu tecto
Após o meu último repasto
Quero que me instalem
Sentado só como um rei
Acolhendo as suas vestais
No meu cachimbo queimarei
As recordações de infância
Os sonhos inacabados
Os restos de esperança
E apenas conservarei
Para vestir a minha alma
A ideia de uma roseira
E um nome de mulher
Depois olharei
O cimo da minha colina
Que dança que se adivinha
E acaba por se afundar
E entre o cheiro das flores
Que não tarda a extinguir-se
Sei que terei medo
Uma última vez
antologia poética
trad. eduardo maia
assírio & alvim
1997