durante alguns segundos por mês
quando o meu senhor tigre
encontra tempo para pensar em mim
(o meu senhor tigre é tão distraído!)
o resto do tempo
sou uma espécie de máquina
enfrascada em drogas,
mal lubrificada,
um pouco enferrujada,
bastante rabujenta,
demasiado resmungona,
que finge existir
de olhos vazios e alma ausente
por detrás da máscara bronzeada
de alguém que vai frequentemente à praia,
uma máscara que tem um ar tão verdadeiro
que toda a gente se engana,
uma máquina que vai às compras
todas as manhãs
(quanto custa o quilo de mágoas?)
que conduz o carro
sem atropelar cães e gatos,
que apanha uma mão cheia de ar
em forma de telefone
e fala horas esquecidas,
que escreve cartas de água
com um estilete de carne
e que espera, espera, espera,
meus deus por quanto tempo ainda?
poesia
o livro do tigre 1976
tradução de isabel meyreles
quasi
2004