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13 março 2024

paulo da costa domingos / em voga

 



 
Um escritor cheio
de ferragem e tatuagem,
como um escravo, besta
de carga. Admira como não
cravaram ainda cravos
na palmilha de seu pé e não
lhe bolearam o casco…
 
Pedia você para o beijar
e festejar, e eu só dei
com penduricalhos
e a repulsa do papiro
engelhando os tempos
modernos sobre seu
estigmatizado corpo.
 
 
 
paulo da costa domingos
versos abrasileirados
& etc
2012
 




29 março 2023

paulo da costa domingos / caiu o pano

 



 
A rotina invade,
conciliatória magia,
a quadrícula do soalho
num absurdo reflexo
do ímpeto vitral.
 
Arrefeceu o rastilho
que leva ao coração
o colapso do sangue.
 
Nenhum.
 
 
 
paulo da costa domingos
a céu aberto
averno
2017
 


03 fevereiro 2021

paulo da costa domingos / cais das colunas

 
 
Fui ali sentir uma aragem no rosto e
pedir a mim mesmo somente um pouco
de sossego, mas eu era um peão
do poema a rugir de encontro
à muralha dos ministérios.
 
E as mulheres que ali vinham
lutavam… íó como lutavam elas!
por sapatos de salto e lingerie
para melhor saltarem no vazio
dos mistérios ocultos no rio.
 
(E não sendo assim, é cinza
que se acumula nas pestanas
de gente de barbatanas munida
para a travessia do denso
negrume das avenidas.)
 
Os meus olhos choraram sal
sobre a nefasta semente desse
trabalho assalariado, cansado,
com o rosto de encontro à pedra
como um miúdo no quarto escuro.
 
 
 
paulo da costa domingos
a céu aberto
averno
2017

 




11 agosto 2020

paulo da costa domingos / rapa



Na fábrica da angústia,
onde jazem raciocínios
ditos científicos e os arranjos
convenientes ao lucro,
molda-se o sossego dos tribunais
na divisão das famílias.


¡O horror, a infâmia, a ordem
e as suas manobras, que sujam
a luminosa manhã da loba,
seu grito encurralado por injúrias,
leve-os o Diabo e escolha!

Na fábrica de cega ceifa
fecha-se os olhos ao veneno
moral dos broncos que olham,
roídos, por cima do ombro.

Expulsa do lugar onde reina
a ganância, o ruído e o ciúme
vai formosa e não segura: a Beleza.

Na luminosa manhã há que ouvir
O sussurro suave de passos, ou…

Nada.


paulo da costa domingos
a céu aberto
averno
2017






25 julho 2019

paulo da costa domingos / quatro



A Beleza quer-se cheia,
mas um de cada vez…
Vale mais um prodígio néscio
que um desejo insatisfeito.

Só os amantes da Beleza
deixam perplex’ o Belo,
cingido a núbeis axiomas.

Mesmo quando a folha cai,
Recebe a terra esses beijos.

Múltiplos.



paulo da costa domingos
a céu aberto
averno
2017







05 janeiro 2019

paulo da costa domingos / pião




Num flagrante retorno dramático
ao fim-de-semana, àquilo que é
excepcional, de fazer inveja
a Cupido; na roda onde
ninguém pode ganhar mais
do que aquilo que outro perde
em magníficas jogadas de sémen;
se o Belo é o pai da Beleza,
resta descobrir a sua mãe
incógnita. Deixa, tira, põe.



paulo da costa domingos
a céu aberto
averno
2017








02 maio 2018

paulo da costa domingos / tira




Bofetões. É o que levais
desta vida. Falta de tempo
para fugir ao sofrimento.
Masturbações às escondidas,
tais e tantas e de tantas
formas aos patrões, que já nem
sabeis qual o vosso sexo.

E outras coisas que não ficam bem
ditas num poema para a risível
História da Literatura, é o que levais
enquanto uns poucos, os puros
habituais, só consomem recursos.

Por isso, ide e julgai esses,
olhai direito nos olhos
o vosso sustentável vampiro.

A nu.


  
paulo da costa domingos
a céu aberto
averno
2017









14 setembro 2017

paulo da costa domingos / circo



Este latagão bebe vinagre,
cospe bolas de sabão e sabe
leis em que finge que acredita.

Com os dentes ao desleixo,
dissimula-se sob grande ares
patrióticos mas empresariais.

No mais, recebe salário como
tantos outros empreendedores
no silêncio de colarinhos brandos.

Preço pago por apertos de mão
dúbios nos becos ínvios onde
larvas d´ilusão piscam mal dormidas.

Estrangula-o na carótida o nó
da gravata, rouba quanto pode
e segue distribuindo cumprimentos

no incumprimento geral.



paulo da costa domingos
conflito
a céu aberto
averno
2017






12 setembro 2016

paulo da costa domingos / sim



Uns comem, outros
nem por isso, e aqueles
que sim é porque
estava a jeito
e têm estômago
para empurrar tudo
e todos, e todos se se fazem
à oportunidade
pela vida é porque sim


paulo da costa domingos
versos abrasileirados
& etc
2012



19 agosto 2016

paulo da costa domingos / árias



1
Saltos loucos de potros pisando
rosas. Potros, uma prega
entre dois rios contraditórios. Frios
declives a floração do cérebro
minam o sonho. Depois,
a corrida da sobrevivência. E mais potros
e potros virtuais, vermelhos, levantando
folhas cheias de seiva. Saltos,
genuínos, frases incompletas ali presas
como cola no palato, em círculo…
Quem me trouxe aqui, à livre margem
da resina, à morada
das farpas? E porquê o martírio das flores
maceradas pelos doidos potros
da imaginação? Que sossego, que mortal
sossego após esta passagem predadora
onde nenhum equívoco ou prematuro
vento deveria polinizar agora
o campo arado. Sílabas.


paulo da costa domingos
canal nr. 3
revista de literatura
palha de abrantes
1998 



22 maio 2015

paulo da costa domingos / averbamento



Um cordão policial, na socialização
da falência, debrua as sanefas.
Julga-se que a lógica é
salvar os ricos e esperar

que eles deixem cair,
dos seus sacos a abarrotar
de dinheiro, algum
na praça pública.


paulo da costa domingos
averbamento
& etc
2011




28 julho 2011

paulo da costa domingos / averbamento

.
.
.
Este real foi reaquecido, já
não anda nem desanda.
A igualdade não fez de nós
indivíduos: transformou-nos
 
numa frota. Estacionada. Somos
a prostituída decepção da mecânica
e, como borra do café,
adubamos estranhos requisitos.
 
 
 
 
 
paulo da costa domingos
averbamento
& etc
2011
.
.
.
 

22 fevereiro 2011

paulo da costa domingos / travesti






Tivemos um quarto belo como nas casas de passe
Comigo a mirar-te nua no espelho do guarda-vestidos
À socapa
Tivemos um recinto belo como o pavilhão dos furiosos
de uma clínica psiquiátrica
Os teus olhos encovados dialogavam com a morte
24 sobre 24 horas
& afinal os teus cabelos oxigenados iam deixando ver
agora a cor real
& a tua bolsa estava vazia e eu tive de voltar a pé para
casa
Mas nunca deixaste de me sorrir, mesmo do lado de lá
Dos barbitúricos

(25.9.1977)







paulo da costa domingos
travesti
& etc
1979