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09 abril 2023

laurie anderson / nascido, nunca interrogado

 



 
Era uma sala grande. Cheia de gente. De todo o género.
E tinham chegado todos ao mesmo edifício
Mais ou menos na mesma altura.
E eram todos livres. E interrogavam-se todos acerca do mesmo
                    assunto:
O que haverá por trás daquela cortina?
 
Tinhas nascido. Por isso, eras livre. Então, parabéns.
 
 
 
laurie anderson
anéis de fumo
poemas
tradução de joão lisboa
assírio & alvim
1997




16 novembro 2014

laurie anderson / o sonho anterior



          (para walter benjamim)


Hansel e Gretel estão vivos e de boa saúde
E a viver em Berlim
Ela é empregada num bar
Ele teve um papel num filme de Fassbinder
E à noite sentam-se a descansar
Bebendo Schnapps e gin
E ela diz: Hansel, dás mesmo cabo de mim
E ele diz: Gretel, quando queres és mesmo cabra
Ele diz: Desperdicei toda a minha vida com a nossa estúpida lenda
Quando o meu verdadeiro e único amor
Era a bruxa má

Ela disse: O que é a história?
E ele disse: A História é um anjo
Soprado para trás na direcção do futuro
Ele disse: A História é uma pilha de destroços
E o anjo quer voltar para trás e consertá-los
Reparar as coisas que foram quebradas
Mas há uma tempestade que sopra do Paraíso
E que não pára de empurrar o anjo
Para trás na direcção do futuro
E esta tempestade, esta tempestade
Chama-se
Progresso.





laurie anderson
anéis de fumo
poemas
tradução de joão lisboa
assírio & alvim
1997





10 janeiro 2010

laurie anderson / lírio branco







Em que filme do Fassbinder é que é? Um homem sem um braço
Entra numa florista e diz:
Qual é a flor que exprime
A passagem dos dias
Os dias que se sucedem sem fim
Puxando-nos
Para o futuro?
A infinita
Passagem dos dias
Puxando-nos infinitamente
Para o futuro.
E a florista diz:
O lírio branco.








laurie anderson
anéis de fumo
poemas
tradução de joão lisboa
assírio & alvim
1997








05 outubro 2008

laurie anderson / estranhos anjos







Dizem que o Paraíso é como a TV
Um mundo pequeno e perfeito
Que não precisa de nós para nada
E lá tudo é feito de luz
E os dias vão-se sucedendo
Aí vêm eles aí vêm eles
Aí vêm eles.


Foi um daqueles dias
Maiores que a própria vida
Quando os amigos vêm para jantar
E vão ficando a noite toda
Limpam o frigorífico
Comem tudo o que encontram
Vão-se deixando ficar pela sala
A chorar a noite inteira.


Estranhos anjos – cantando só para mim
Histórias velhas que me assombram
Afinal nada é como eu pensava.


Ia eu no meu carro de quatro portas
Com a capota descida
Olhei e ali estavam elas:
Milhões de minúsculas lágrimas
Por ali apenas suspensas
Não sabia se rir ou chorar
E disse para comigo:
E agora, céu imenso, que se segue?


Estranhos anjos – cantando só para mim
Os meus trocos caindo sobre mim
A chuva caindo caindo sobre mim
Toda sobre mim
Estranhos anjos – cantando só para mim
Velhas histórias – que me assombram
Vêm aí grandes mudanças
Aí vêm elas
Aí vêm elas.











laurie anderson
anéis de fumo
poemas
tradução de joão lisboa
assírio & alvim
1997