Muitas vezes verifiquei que os homens dão pouca
importância às palavras. Vou explicar-me. Uma pessoa banal (com banal não quero
eu dizer que seja tola, apenas alguém que não é relevante) tem uma ideia qualquer
que é de censura a uma instituição ou a uma opinião generalizada; sabe que a
grande maioria pensa o contrário e por tal razão cala-se, pensa que não lhe
convém falar e argumenta que a discussão não altera nada. É um grande erro. Eu
actuo de outra maneira. Censuro, por exemplo, a pena de morte. Quando a ocasião
se proporciona declaro-o, não porque esteja convencido de que os Estados vão
fazer a sua abolição no dia seguinte, mas por estar convencido de que vou
contribuir para o triunfo da minha opinião. É indiferente que ninguém esteja de
acordo. As minhas palavras não caem em saco roto. Talvez alguém chegue a
repeti-las, e possam ir ter a ouvidos que as oiçam e apoiem. Pode ser que
alguém, entre os que não concordam agora, no futuro vá recordá-las em circunstância
favorável e, havendo o concurso de outras circunstâncias, se convença ou ponha
em dúvida a sua convicção, que lhe é contrária. E o mesmo se passa com outros
problemas sociais, e outras coisas em que é sobretudo necessário haver Acção. Reconheço
que sou um cobarde e não posso actuar. Limito-me, por isso, a falar. Embora não
acredite que as minhas palavras sejam supérfluas. Outro existirá que vai
actuar. E as minhas palavras – palavras de um cobarde – vão facilitar-lhe a
actuação. Prepara-lhe o terreno.
(19-10-1902)
konstandinos kavafis
kavafis páginas íntimas
trad. joão carlos chainho
hiena editora
1994