27 fevereiro 2022

j. h. santos barros / visões da ilha

 
1.
Iniciei a contemplação do sol
e vi Cassius Clay mudar de nome: pura ave da arábia
ali lia o alcorão. Os operadores da TV
suaram a operação plástica.
Nem um murro nem um gemido.
Sequer um vagido dos filhos da mãe-áfrica
demove estes americanos do norte do consumo.
Disparo o flash e arrumo-o nas impenetráveis regiões
da mente, inacessíveis à tecnologia da eficiente
polícia militar estranha.
 
Contemplei Clay no écran, duro
e só como uma ilha.
 
 
2.
Dispensei-me alguns retoques no verso
confiado à amplidão do horizonte, confinado
aos limites da ilha. Margarida alegrava-me
– essa ave nórdica arribada a esta parte
larga do mar. Amei-a no local onde
a rota é traçada pelas baixas descobertas
à passagem da maré baixa.
 
3.
Faltar-te-ia ao respeito meu amor
se alindasse este pôr-de-sol único,
e o orvalho nas hortenses, as lágrimas líricas
da nossa ilha beijada por deus (por que deus)
ao pé do mar? tantos são os sinais contrários
à luta que temos de empreender de novo?
Guarda bem vivos estes sinais. O perfume deles
não cabe nos narizes envernizados dos nossos senhores
em visitação do campo. Bilhetes-postais são as mãos
e a ligeira claridade que se abre nos teus olhos.
 
 
 
j. h. santos barros
os alicates do tempo
afrontamento
1979




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