A caracterização?
Excessiva.
Desmedida.
Capaz de
prolongar até ao cabelo os teus olhos.
E vais ter unhas
pintadas.
Quem, normal e
bem-pensante, anda no arame
ou faz versos?
louco demais.
Homem ou mulher?
de certeza monstro.
E pelo Contrário,
em vez de agravar
um exercício destes vai atenuá-lo:
é realmente mais
claro do que um ser paramentado,
dourado, pintado,
para dizer tudo equívoco,
que ali anda de
passeio, sem perder o equilíbrio,
onde notários e
ladrilhadores nunca pensariam subir.
Pintado pois, e
sumptuosamente,
até provocar
náuseas.
Mal apareça.
Logo ao primeiro
número no arame
vai
compreender-se que este monstro de pálpebras roxas
só ali poderia
dançar.
Por certo irá
dizer-se que pousar naquele arame assim,
de olhos
alongados, faces pintadas, unhas douradas,
é que o obriga a
ficar num Sítio onde nunca havemos nós graças a Deus!
— de estar.
Mas procuro agora
que me entendam melhor.
Para o poeta
dispor da solidão absoluta que precisa,
se realmente quer
realizar a sua obra
-- extraída de um
nada a preencher e fazer, ao mesmo tempo,
sensível pode
expor-se numa atitude,
numa atitude
qualquer que será para ele a mais perigosa.
Muito cruelmente
afasta curiosos e todos os amigos,
qualquer convite
que tenda a vergar-lhe a obra em direcção ao mundo.
Queira ele e pode
proceder assim:
largar à volta um
cheiro pestilento,
tão negro que ele
próprio há-de perder-se,
meio asfixiado,
nele.
De todos fugirem.
E fica só.
A maldição
aparente vai permitir-lhe todas as audácias,
já que se não
perturba com nenhum olhar.
E velamos como
vai mover-se num elemento
que parece a
morte, o deserto.
A sua Palavra não
levanta eco.
E porque se não
dirige a ninguém,
só a deve
compreender quem estiver vivo,
e aquilo que
enuncia terá de fazer-se necessidade
que a vida não
exige mas antes a morte
que vai
dirigi-lo.
(...)
jean genet
o funâmbulo
trad. de aníbal fernandes
hiena editora
1984