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26 outubro 2023

joão almeida / não há razões




 
Casal um à mesa não importa o dia
Não importa a hora
 
Falam uma língua muda
Que sai das coisas
E as leva sem vestígio
 
Ela faz pequenos barcos
Com o papel da conta do jantar
Ele queria ir ao fundo do céu
Da boca se pudesse
 
E eu que como de tudo
Não entendo tal noite
 
 
 
joão almeida
canto skin
língua morta
2019
 

 


18 outubro 2021

joão almeida / céu da boca

 
 
Onde as ondas andam é aqui nos prédios novos
por cima da ressaca dos discos parabólicos e o outono
tão frio pela amanhã, com gavetas
de madeira e lenços de papel pelo chão da cabeça
 
ficamos calados a ver passar a linha de marcação contínua
e agora não me lembro nem do autor nem do poema
nem um verso ficou, tudo triturado
reduzido a mosquitos por cordas.
 
 

joão almeida
canto skin
língua morta
2019






10 abril 2021

joão almeida / atalho com lama e escuridão

 
 
pela mão me levou à procura de água
quando seguia sem desejar saber
por outro beco regular e limpo
 
não cumpri a minha jura
era o vinho a falar
 
uma merda esta culpa às costas
em todo o caso
gostava de ver o centro cultural arder
 
 
joão almeida
canto skin
língua morta
2019




 

27 janeiro 2021

joão almeida / castelos perigosos

 
 
Sistemas completos
Acordam as coisas
De noite e de dia
 
Não sei quem vive
E quem morre
O vento
E os rafeiros que me guardam
Desfazem as notícias
No perímetro de segurança
 
Vieste de longe para me visitar
E será a última
 
Por isso a nossa mesa é uma encruzilhada
Aberta no canto mais luminoso do quarto
 
E tudo o que dissermos
Será definitivo
 
Sopro
De um deserto inteiro
Um grão de trigo comum.
 
 
 
 
joão almeida
canto skin
língua morta
2019

 



22 novembro 2020

joão almeida / duas esperas no domingo à tarde

 
 
Encontrei no bolso do casaco que te fica mal
Um lenço com manchas de suor
E sangue?
 
Um pensamento para encher a imensidão.
 

 
Chegou a chuva
Subirá pelo tronco até à nuca
E tudo será então absorvido.
 
 
 
joão almeida
canto skin
língua morta
2019

 



23 julho 2020

joão almeida / sina


  
tenho poucas palavras
duas para uma caixa de fósforos
uma para lavar as mãos
nenhuma para este poema


joão almeida
canto skin
língua morta
2019













21 abril 2020

joão almeida / passeio a pé



primeiro a criação
de porcos ao ar livre

depois a barragem
e vacas a pastar

descubro na bosta antiga
esporos vermelhos
e flores muito finas



joão almeida
canto skin
língua morta
2019








10 dezembro 2019

joão almeida / só



Encontrei Georges, meio profeta
Meio cavalo, estendido no chão

Olhos inofensivos de longa vigília
Cheirava a mofo e a rim

Levantou a cabeça para me ver mijar

Lembrava-lhe a infância
As histórias do pai
Mulheres que mijavam de pé
Em aldeias extintas

Mais droga, porno e poesia
Fomos conversando.


joão almeida
canto skin
língua morta
2019





10 agosto 2019

joão almeida / e o verão passou




não me afasto para dentro de nenhum abrigo
as palavras são estas no nevoeiro

pela estrada plana

paro à porta de alguém provável
e avanço de novo
sem mais ninguém



joão almeida
canto skin
língua morta
2019







25 agosto 2014

joão almeida / a imensidão



Dias a dia a dia
Às duas da tarde
Alimentado a ração
E alecrim
Fez muito mais que mazelas
Na carne e no conhecimento

O que é de pouco lhe vale
Quando a noite em chão
Desconhecido se aproxima
E o metro incendeia os motores
Para estação adversa

Queimou o cartão de cidadão e os últimos vestígios
Conto com a misericórdia das mulheres
Quando cair doente disse-me
Aproxima a tua mão

Vi-o pelos campos
Ao  pé de um carro abandonado
Como um aviso


joão almeida
ladrador
averno
2012



12 outubro 2012

joão almeida / trocos




há casas que não ouço, protejo-me
no vão das portas
rua a rua

no bolso dois grãos de trigo
para que o vento pare




joão almeida
telhados de vidro nr. 11
averno
2008



10 fevereiro 2012

joão almeida / parabéns






Neste Fevereiro distante
a alegria poisa devagar

não me quero lembrar de nada
entrego as botas e um a um
entramos no grande centro cultural

o último poeta foi atropelado em Braga
morreu no hospital público
com direito a névoa pela manhã

oh o barulho da responsabilidade
a expansão do deserto ao primeiro toque
começa-se por dormir vestido
e depois o pasmo
o risco de vender um verso por desfastio

que posso eu dizer
que não esteja dentro de um fungo
tantos livros
o barulho sempre nunca
ter um tecto
ter comida
e uma data de poemas na cabeça
ligados por tubos de respirar

uns acabam por morrer
e apodrecem onde estão
ali ficam como almas penadas
assombrações
outros vivem até à última gota

de ambos se faz a doença
e os planos de uma invasão




joão almeida
rumo
a poesia em 2009
assírio & alvim
2010


09 abril 2010

joão almeida / em tempo de miséria









desço por um jardim transparente
entre lodo e hortelã

andam assistentes sociais pelo bosque
à procura de pobres
agitam contas e berlindes

acaba aqui a rédea solta, há que escolher as armas

troco à sombra do derradeiro cipreste
dois versos e um dedo
por uma noite de sono e um detonador








joão almeida
resumo
a poesia em 2009

assírio & alvim
2010