Mostrar mensagens com a etiqueta seamus heaney. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta seamus heaney. Mostrar todas as mensagens

11 novembro 2013

seamus heaney / o mestre



Ele vivia em si próprio
como um corvo numa torre sem telhado.

Para me aproximar eu tinha de escalar
longas e agrestes muralhas desertas
e não estremecer, nem erguer o olhar
à procura de um olhar vigilante
no canto onde ele tivesse o seu retiro.

Deliberadamente ele abria
o seu livro do segredo
uma página de cada vez
e nada era arcana, só as velhas regras
que todos tínhamos inscrito nas lousas.
Cada carácter estampado no pergaminho, seguro
no seu volume e medida.
A cada máxima dado o seu espaço.

Diz a verdade. Não tenhas medo.
Noções duradouras, obstinadas,
como martelos e cunhas de pedreiros
comprovados pelos rigores do seu uso.
Quais cumeeiras onde se repouse
no refrigério de uma nascente.

Como me senti frágil ao descer
as escadas sem protecção, contra a muralha,
escutando o propósito e a empresa
lá em cima, num golpe de asa.



seamus heaney
tradução de rui carvalho homem



12 outubro 2013

seamus heaney / saindo da maleta



4

O quarto de onde vim e de onde todos lá em casa vieram
Permanece realidade pura onde eu estou de pé, só,
Enfrentando o passar do tempo, e ela dorme

Em lençóis postos na cama para a visita do médico, presentes
De casamento que surgiam uma e outra vez, nupciais
E usuais e úteis em nascimentos e mortes.

Eu à cabeceira, a incubar, de verdade,
Perscrutando, assomando-lhe enquanto ela fecha
E abre os olhos, e depois recai

Num sorriso distante em cujo território de visão
Eu entrava de todas as vezes, para apoiar e escutar
A pergunta, naquele suspiro enrouquecido de triunfo:

"E então que tal parece
O novo bebezinho que o senhor doutor nos trouxe
Enquanto eu estava a dormir?"


seamus heaney
luz eléctrica
tradução de rui carvalho homem
quasi
2003



10 outubro 2012

seamus heaney / a forquilha


  

Era a forquilha, de todas as alfaias,
A mais parecida com a perfeição imaginada:
Quando apertava a mão erguida e apontava
Ele sentia-a certeira e leve, como um dardo.
Brincasse, então, de atleta ou de guerreiro,
Ou trabalhasse a sério na palha e no suor,
Ele adorava-lhe a textura, a cor do freixo
da fina haste acetinada pelo uso.
Aço batido, madeira ao torno, lustre, toque
Do que é suave, recto, brando, luzente e esguio.
Suado, afiado, calibrado, posto à prova.
Em dinâmica tensão, presto e exacto.
E se ele pensava numa sonda nos confins,
Via o cabo de uma forquilha navegando
Serena, imperturbável pelo espaço,
Estrelas nas pontas e em silêncio absoluto -
Mas aprendeu enfim a seguir tão simples pista
Além do seu alcance, para um outro lado
Onde a perfeição - ou quase isso - se imagina
Na mão a abrir, que não a apontar.



seamus heaney
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução rui carvalho homem 
assírio & alvim
2001