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08 setembro 2022

edgar lee masters / chase henry

 
 
Em vida eu fui o bêbado da vila;
quando morri o padre negou-se a enterrar-me
em solo sagrado.
E isso acabou por ser para mim uma sorte,
pois os Protestantes compraram este lote
e enterraram aqui o meu corpo,
junto à campa de Nicholas, o banqueiro
e de Priscilla, a sua mulher.
Considerai, ó almas prudentes e piedosas,
como a vida, contra a corrente,
traz honras funerárias a quem viveu na humilhação.
 
 
edgar lee masters
spoon river
tradução josé miguel silva
relógio d´água
2003




09 dezembro 2020

edgar lee masters / richard bone

 
 
Quando vim para Spoon River
não sabia se aquilo que me diziam
era falso ou verdadeiro.
Traziam-me o epitáfio
e enquanto eu trabalhava eles cirandavam pela oficina
e diziam «Era tão boa pessoa», «Era encantador»
«Não havia mulher mais afável», «Era um verdadeiro cristão».
E eu cinzelava na pedra o que eles me pediam,
ignorando por completo a verdade.
Mais tarde, à medida que convivia com a gente da terra,
já sabia se os epitáfios que me encomendavam
correspondiam ou não à vida do defunto.
Mas continuava a cinzelar aquilo para que me pagavam,
tornando-me cúmplice das falsas crónicas
na pedra das lápides,
tal como faz o historiador que escreve
sem conhecer a verdade,
ou porque alguém o persuade a esconde-la.
 

 
edgar lee masters
spoon river
tradução josé miguel silva
relógio d´água
2003




08 junho 2020

edgar lee masters / john hancock otis



No que diz respeito à democracia, concidadãos,
não estareis dispostos a reconhecer
que eu, apesar de ter nascido num solar e ter herdado uma fortuna,
não tinha quem rivalizasse comigo em Spoon River
no apego à causa da liberdade?
Ao passo que o meu contemporâneo, Anthony Findlay,
que nasceu num casebre e que começou a vida
como carregador de água para os trabalhadores ferroviários,
ascendendo com o tempo a trabalhador ferroviário
e depois a capataz, até chegar ao posto
de superintendente dos caminhos-de-ferro
e morar em Chicago,
que era um autêntico negreiro,
que ameaçava os trabalhadores
e detestava ferozmente a democracia.
Por isso te digo, Spoon River,
e a ti também, ó república,
cuidado com o homem que sobe ao poder
pela corda da pobreza.



edgar lee masters
spoon river
tradução josé miguel silva
relógio d´água
2003






31 janeiro 2017

edgar lee masters / a colina



Onde estão Elmer, Herman, Bert, Tom e Charley,
O irresoluto, o de braço forte, o palhaço, o ébrio, o guerreiro?
Todos, todos, estão dormindo na colina.

Um morreu de febre,
Um lá se foi queimando numa mina,
O outro assassinaram-no num motim,
O quarto se extinguiu na prisão,
E o derradeiro caiu de uma ponte quando trabalhava para e esposa
                          e os filhos –
Todos, todos, estão dormindo, dormindo, dormindo na colina.

Onde estão Ella, Kate, Mag, Lizzie e Edith,
A de bom coração, a de alma simples, a alegre, a orgulhosa, a feliz?
Todas, todas, estão dormindo na colina.

Ella morreu de parto vergonhoso,
Kate de amor contrariado,
Mag nas mãos de um bruto num bordel,
Lizzie ferida em seu orgulho à procura do que quis seu coração.
E Edith, depois de ter vivido nas distantes Londres e Paris,
Foi conduzida a seu pequeno domínio por Ella e Kate e Mag –
Todas, todas estão dormindo, dormindo, dormindo na colina.

Onde estão tio Isaac e tia Emily,
E o velho Towny ncaid e Sevigne Houghton,
E o major Walker que conversara
Com os veneráveis homens da revolução? –
Todos,todos, estão dormindo na colina.
Trouxeram-lhes filhos mortos na guerra,
E filhas cuja vida tendo sido desfeita,
Os filhos sem pai choravam –
Todos, todos, estão dormindo na colina, dormindo na colina.

Onde está o velho violinista Jones
Que brincou com a vida durante noventa anos,
Desafiando as geadas a peito descoberto,
Bebendo, fazendo arruaças, sem pensar na esposa, nem na família,
Nem em dinheiro, nem em amor, nem no céu?
Vede! Fala sobre os cardumes de peixes de antigamente,
Sobre as corridas de cavalo, outrora em Clary’s Grove,
Sobre o que Abe Lincoln disse
Uma vez em Springfield.


edgar lee masters
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de jorge de lima 
assírio & alvim
2001




27 outubro 2015

edgar lee masters / theodore, o poeta



Em rapaz, Theodore, passava horas sentado
na margem do turvo Rio Spoon
olhando fixamente para a furna que escondia o caranguejo,
à espera que ele saísse, mostrando primeiro
as antenas ondulantes como palhas de feno
e depois o seu corpo, cor de pedra-pomes,
adornado com dois olhos de azeviche.
E perguntavas a ti próprio, enleado em pensamentos,
o que saberia ele, que coisas desejava, por que viveria.
Mais tarde o teu olhar voltou-se para os homens e as mulheres
escondidos em furnas de acaso no meio de cidades.
Esperavas que mostrassem suas almas
para que pudesses ver
como viviam ou para quê,
e por que rastejavam com tal afã
ao longo do caminho arenoso onde a água escasseia
à medida que declina o Verão.



edgar lee masters
spoon river
tradução josé miguel silva
relógio d´água
2003




22 abril 2014

edgar lee masters / sónia, a russa



Eu, nascida em Weimar
de mãe francesa
e pai alemão, um homem muito culto, professor,
fiquei órfã aos catorze anos,
e tornei-me na dançarina que em todas as avenidas de Paris
era conhecida como Sónia, a Russa.
Fui amante, no início, de vários duques e condes
e, mais tarde, de artistas pobres e poetas.
Aos quarenta, passée, rumei a Nova Iorque
e conheci no navio o velho Patrick Hummer,
forte e de rosto corado, apesar dos seus sessenta anos,
que regressava após ter vendido um carregamento
de gado em Hamburgo, na Alemanha.
Vim com ele para Spoon River e aqui vivemos
durante vinte anos ─  todos pensavam que éramos casados!
Este carvalho junto à minha campa é o retiro favorito
dos gaios azuis que palram e palram, todo o dia.
E por que não, se até as minhas cinzas se riem
quando pensam nessa coisa tão cómica a que chamam vida?



edgar lee masters
spoon river
tradução josé miguel silva
relógio d´água
2003



19 setembro 2013

edgar lee masters / dorcas gustine



As pessoas da vila não gostavam de mim,
porque eu dizia sempre o que pensava
e também porque atingia abertamente, com protestos,
aqueles que me atacavam, sem ocultar a mágoa
ou alimentar o rancor.
Louva-se muito o acto desse rapaz espartano
que escondeu sob a sua túnica um lobo,
deixando, sem um único lamento, que este o devorasse.
Eu penso que há mais valentia em agarrar o lobo
e combate-lo abertamente, mesmo em plena rua,
por entre a poeira levantada e os uivos de dor.
A língua pode ser desordeira,
mas o silêncio envenena a alma.
Quem quiser, que me censure ─ eu estou satisfeito.


edgar lee masters
spoon river
tradução josé miguel silva
relógio d´água
2003




20 outubro 2012

edgar lee masters / emily sparks


   

Onde está o meu rapaz, onde está,
em que parte do mundo?
Dos meus alunos todos, aquele que mais amei?
Eu, a professora, a solteirona, a de coração puro,
que fez de todos eles seus filhos?
Mas terei de facto conhecido o meu rapaz
ao supô-lo de espírito ardente,
inquieto, num anseio constante?
Ah, rapaz, por quem tanto rezei
em muitas horas de vigília nocturna,
lembras-te da carta que te enviei
acerca do sublime amor de Cristo?
Quer a tenhas ou não recebido,
meu rapaz, onde quer que estejas,
trabalha pela salvação da tua alma,
para que tudo o que em ti é barro ou impureza
possa obedecer à chama que possuis dentro de ti,
até que essa chama já não seja senão luz!...
nada senão luz!

  


edgar lee masters
spoon river
tradução josé miguel silva
relógio d´água
2003




19 outubro 2010

edgar lee masters / george gray







Muitas vezes observei
a figura de mármore que esculpiram para mim:
um barco ancorado com as velas recolhidas.
Não representa a minha chegada a um porto de destino,
mas a minha existência.
Pois o amor foi-me oferecido e eu fugi dos seus enganos;
o desgosto bateu-me à porta, mas eu tive medo;
a ambição chamou por mim, mas eu receei a maré.
No entanto, sempre desejei dar um sentido à minha vida.
Agora sei que devemos erguer as velas
e tomar os ventos do destino
aonde quer que conduzam o barco.
Dar um sentido à nossa vida pode terminar em loucura,
mas uma vida sem sentido é um flagelo
de desassossego e de vago desejo –
é como um barco que suspira pelo mar e não se atreve.








edgar lee masters
spoon river
tradução josé miguel silva
relógio d´água
2003








15 fevereiro 2009

edgar lee masters / hod putt







Aqui jazo eu junto à campa
do velho Bill Piersol,
que enriqueceu no comércio com os índios e que
depois tirou proveito da Lei das Falências
para emergir mais rico que nunca.
Eu, cansado de trabalhos e miséria
ao ver o velho Bill, e outros, cada vez mais ricos,
ataquei certa noite um viajante, junto a Proctor’ Grove,
para o roubar, e matei-o sem querer,
pelo que me condenaram a morrer na forca.
Foi esta a minha maneira de declarar falência.
Nós os dois, que aproveitamos, cada um a seu modo, a lei das
falências,
dormimos agora em paz, lado a lado.









edgar lee masters
spoon river
tradução josé miguel silva
relógio d´água
2003