jaime rocha
Nasceu em 1949, na Nazaré, Portugal. Estudou na Faculdade de Letras de Lisboa e viveu em França nos últimos anos da ditadura, até 1974. Exerce a profissão de jornalista, há cerca de três décadas, com o nome próprio de Rui Ferreira e Sousa. Tem editadas várias obras de poesia, ficção e teatro.
No domínio da poesia, Jaime Rocha publicou “MELÂNQUICO” (com o pseudónimo de Sousa Fernando), “A DANÇA DOS LILAZES”, “BEBER A COR”, “A PEQUENA MORTE/ESSE ETERNO CANTO” (díptico com Hélia Correia), “A PERFEIÇÃO DAS COISAS”, “DO EXTERMÍNIO”, “ARCO DE JASMIM”, “OS QUE VÃO MORRER” e “ZONA DE CAÇA”.
Na ficção destacam-se os romances “A LOUCURA BRANCA”, “TONHO E AS ALMAS” e “OS DIAS DE UM EXCURSIONISTA”.
No Teatro editou mais de uma dezena de peças. Foi galardoado, em 1998, com o Grande Prémio APE de Teatro, com a peça “O TERCEIRO ANDAR”, texto incluído no volume “O CONSTRUTOR” e, em 2000, com o Prémio Eixo Atlântico de Textos Dramáticos, com a peça “SEIS MULHERES SOB ESCUTA”. A sua primeira peça representada intitula-se “A REPARTIÇÃO” e foi levada à cena, na Comuna, pelo Grupo de Teatro da Faculdade de Ciências de Lisboa, em 1989. O Teatro de Carnide encenou, em 1998, a sua peça “DEPOIS DA NOITE O QUÊ?”, uma réplica à obra de José Saramago, “A NOITE”. Em 2001, estrearam quatro peças suas: “CASA DE PÁSSAROS” pelo Teatro Experimental de Cascais, “O TELEVISOR” pelo Teatro Mosca, “TRANSVIRIATO” pelo Trigo Limpo Teatro Acert e “O JOGO DA SALAMANDRA”, uma co-produção da Comuna Teatro de Pesquisa e do Teatro Público, de Lisboa. Em 2003, “SEIS MULHERES SOB ESCUTA” numa produção do Teatro da Trindade e “QUINZE MINUTOS DE GLÓRIA” pelo GRETUA, Grupo Experimental de Teatro da Universidade de Aveiro. Em Fevereiro de 2004 estreia em Lisboa a peça “HOMENS COMO TU”.
Obras publicadas
Poesia
MELÂNQUICO, 1970, Livros Sem Editor
A DANÇA DOS LILASES, 1982, Edições Bico d’Obra
BEBER A COR, 1985, Edições &Etc
A PEQUENA MORTE/ESSE ETERNO CANTO, 1986, Black Sun Editores (Díptico com Hélia Correia)
A PERFEIÇÃO DAS COISAS, 1988, Caminho
ARCO DE JASMIM, 1999, Edições Duas Luas, Belo Horizonte, Brasil
OS QUE VÃO MORRER, 2000, Relógio D’Água Editores
ZONA DE CAÇA, 2002, Relógio d’Agua Editores
DO EXTERMÍNIO, 2003, Relógio D’Água Editores; 1ª edição, 1995, Black Sun Editores
Ficção
TONHO E AS ALMAS, romance, 1984, Relógio D’Água Editores
O ÚLTIMO PARENTE DE JUSTINO, conto, 1989, Antologia Terrortório-Europress
A LOUCURA BRANCA, romance, 1990, Livro Aberto; 2ª edição, 2001, Íman Editores
OS DIAS DE UM EXCURSIONISTA, romance, 1996, Relógio D’Água Editores
A MULHER QUE APRENDEU A CHORAR, conto, 2ooo, Antologia Ficções-Tinta Permanente
Teatro
DEUSCÃO seguido de O TELEVISOR, 1988, SPA
O CONSTRUTOR, seguido de QUINZE MINUTOS DE GLÓRIA e O TERCEIRO ANDAR (Grande Prémio de Teatro APE 98), 1998, SPA/D.Quixote
SEIS MULHERES SOB ESCUTA, 1999, Teatro do Noroeste (Prémio Eixo-Atlântico de Textos Dramáticos 99)
CASA DE PÁSSAROS, 2001, SPA/D.Quixote
TRANSVIRIATO, 2001, Trigo Limpo/Teatro Acert
O JOGO DA SALAMANDRA e outras peças: A DESCIDA PARA AS CINZAS, DETALHE À PORTA DO INFERNO, SEIS MULHERES SOB ESCUTA e O ANEXO, 2001, Relógio d’Água Editores
Peças representadas
A REPARTIÇÃO, 1989, na Comuna, pelo Grupo de Teatro da Faculdade de Ciências de Lisboa, encenação de Almeno Gonçalves
DEPOIS DA NOITE O QUÊ?, 1998, pelo Teatro de Carnide, encenação de Paulo Ferreira
CASA DE PÁSSAROS, 2001, no Teatro Mirita Casimiro, pelo Teatro Experimental de Cascais, encenação de Carlos Avilez
O TELEVISOR, 2001, pelo Teatro Mosca (Cacém), encenação de Paulo Campos dos Reis
TRANSVIRIATO, 2001, pelo Trigo Limpo/Teatro Acert (Tondela), encenação de José Rui
O JOGO DA SALAMANDRA, 2001, pela Comuna e Teatro Público (Lisboa), encenação de Celso Cleto
SEIS MULHERES SOB ESCUTA, 2003, uma produção do Teatro da Trindade, Lisboa, encenação de Jorge Fraga
QUINZE MINUTOS DE GLÓRIA, 2003, pelo GRETUA, Grupo Experimental de Teatro da Universidade de Aveiro e Leitura Dramática na Eterno Retorno, Lisboa, pelo Grupo de Teatro Mínimo, da Sociedade Guilherme Cossoul
O TERCEIRO ANDAR, 2004, pelos Estudantes da Universidade de Manchester, Inglaterra
HOMENS COMO TU, 2004, pelo Teatro Útero, Lisboa, encenação de Miguel Moreira
A Arte do Fogo
1º ANDAMENTO
Um grito dá início à desordem.
A sua lâmina rasga a montanha
e desenha nela um caminho onde
existiram cabras. Ali vive agora um
cavalo escondido entre árvores.
Uma névoa nasce das raízes, como um
novelo de pó branco marcado pelas facas.
É o fogo que chega.
Há homens que carregam alguma
lenha, enquanto as mulheres dançam
no tojo, antes da noite, quando as
fogueiras estão no seu declínio e o
corpo tomba ferido pelo vinho.
De todos os lados vem esse som da
terra, um uivo que ressoa como um
um falcão e corta a resina, deixando no ar
uma música, um vento que existe por
detrás do sol, uma aragem, um sinal
pressentido no fundo da pele.
2° ANDAMENTO
No meio do fogo, uma boneca. O seu
vestido prendeu-se a uma árvore, tem
o corpo enforcado, sem pés, e deita um
riso de fera como se estivesse atada a
uma coluna de um templo. No rosto dela
cola-se a imagem de um deus que anda à
solta pelo bosque transportando no dorso
aquele monte nascido de um bode.
É o fogo que arde para cima.
E depois os rapazes, com os seus joelhos
de ferro, deitados sobre o musgo, respiram
a cinza de uma mulher que passou por ali
devastando tudo com o ciúme. São eles
que choram como pequenos carrascos, ao abandono.
Porque naquele monte o aroma das mulheres
é mais forte do que o fogo. E tudo o que arde
vem dos bichos, de um diabo que inventou
o mundo, das suas penas, como uma culpa.
3º ANDAMENTO
A chuva não veio como de costume para
separar o lume da terra e matar as vozes
dos homens no momento em que ao fundo
da paisagem, no mar, o sol cai num abismo.
O fumo toma conta das mãos, todos os desejos
ficam presos a uma tinta. Os cabelos saltam
do corpo, os pés cravam-se na terra quente
e toda a gente se vira para o centro daquele
monte onde um telhado vai sendo construído
e as raparigas entregam o suor e os olhos.
É o fogo que chama as cobras.
Junto da boneca surge outro cavalo e três
faunos espalham o pão enquanto outros
batem num tambor e cantam até que o monte
se abre para receber o fim das fogueiras,
os restos deixados pelos homens depois de um
vírus. A doença que atravessou o pinhal para
lá do alcatrão, das máquinas, é agora um hino
espetado na alma, um pedaço assombrado,
como um carnaval que se aproxima deixando
atrás de si uma cratera delimitada pelo sangue.
a arte do fogo
in hablar / falar de poesia
nr. 4, 2001