de encurvadas vigas de enorme ferro tem de ser a noite,
para que não a rebentem e a desentranhem
as muitas coisas que os meus olhos repletos já viram,
as duras coisas que insuportavelmente a povoam.
Em vagões de longos caminhos-de-ferro,
num banquete de homens que se enfastiam,
no fio amolgado dos subúrbios,
numa abafada quinta com estátuas húmidas,
na noite repleta onde abundam os cavalos e os homens.
do esquecimento e a precisão da febre.
e dos desvelos de um espelho incessante
que o dissipa e o espreita
e da casa que repete os seus pátios
e do mundo que continua até ao degradado arrabalde
de barro torpe e de becos onde o vento se cansa.
as desintegrações e os símbolos que antecedem o sono.
os minuciosos rumos da morte nas cáries dentárias,
a circulação do meu sangue e dos planetas.
cansei-me ao entardecer com o canto dos pássaros.)
léguas de pampa imunda e obscena, léguas de execração,
não querem ir-se embora da lembrança.
Lotes alagadiços, barracas amontoadas como cães, charcos de prata fétida:
Sou a entediada sentinela desses paradeiros imóveis.
nenhum homem morreu no tempo, nenhuma mulher, nenhum morto,
porque esta inevitável realidade de ferro e de barro
tem de atravessar a indiferença dos que estão adormecidos ou mortos
– mesmo que se escondam na corrupção e nos séculos –
e condená-los a uma assombrada vigília.
Amanhecerá nas minhas pálpebras apertadas.
jorge luís borges
obras completas 1952-1972 vol. II
o outro, o mesmo (1964)
trad. fernando pinto do amaral
editorial teorema
1998