As palavras de vidro que tu depões em teus seios, para me ofere-
ceres, raspam
estridentes na camada imarcescível dos meus
olhos;
Caem e eu sonho para espalhar plumas nos espaços;
Trago na mão esquerda, hermética, fechada duramente, as deli-
cadas linhas
epidérmicas,
Leio nesse rendilhado de sensações o roteiro da minha viagem
livre, o meu voo
solitário, que eu inicio saltando dos telhados
para as janelas;
É na abstracção hipnótica do rosa íris que eu te vejo acompanhar
a estranha aventura dum
albatroz,
e é ao cair da noite que eu aceno longamente os meus braços;
É na harmoniosa vibração azul que eu transmito o Sol vermelho
do poente e da
tristeza,
e, quando as minhas mãos se transformam em pérolas puras, os
teus olhos gelam para
serem os gigantes e a noite;
Livre um gato desliza pela goteira escura da cidade,
livre uma pequena ilha nasce no ponto ignorado do Oceano,
livres as ondas escorregam na superfície marinha,
livres os pássaros e os cavalos na noite da lua encantada,
livre eu chamo-te dos cumes das serras,
livres as ondas os cavalos e os pássaros;
Abandono a terra da ilha para viver nos abismos, nas cidades
que crescem, nos beijos
que enchem o vento,
e oiço a imensa máquina que esmaga o ferro da estrada cons-
truída, a cortina
sedosa dos teus cabelos, eu e tu,
e vejo o cego que avança com os braços levantados para o mundo
incompreensível,
e liberta os corpos visíveis: os teus lábios, os teus seios, o teu
sexo;
e mães batem às janelas e imploram:
LAMA!;
A um canto morre em agonia o primeiro grito;
O gato parte à aventura pelos telhados, pelos vales e pelos Sonhos.
henrique risques pereira
a intervenção surrealista
mário cesariny de vasconcelos
ulisseia
1966