Quero explicar-lhes, Venho a explicar-lhes
a técnica minuciosa de não chorar certas lágrimas
o código das mil pequeninas astúcias serenas
os concretos maneirismos viúvos que resultam nesta
petrificada imobilidade, nesta insónia alheada
de fazer medo aos amigos, a decompor-lhes os mil modos
correctos de hibernar em estátua passante,
desmontar-lhes, preciso, o sangrento teor das rodas
dentadas no indizível terror de aqui estar
de não ver o fim, de temer qualquer fim que seja
dar-vos o controlo total pleno do pânico
mergulhar convosco, amigos, inimigos, ó queridos indiferentes
na engrenagem particularmente ambígua da mágoa
no furor coalhado, represado, nos humores vítreos
deste mecanismo de névoa doce e parada
neste extensíssimo vale de ecos contraditórios
neste punho fechado sobre o grito inevitável
nesta preciosa pérola irisada de nunca mais nunca mais
neste gérmen pequeníssimo, neste átomo, neste
nada de nenhures, nesta ausência de tantos futuros possíveis.
joão pedro grabato dias
odes didácticas
o morto, ode didátctica 1971
tinta da china
2021