Esta declaração é um segredo
vedado plo descuido e a inutilidade,
segredo sem mistério ou juramento
que apenas é assim por indiferença:
hábitos de homens e de anoiteceres detêm-no
e preserva-o o esquecimento, que é o modo mais pobre do mistério.
Houve um tempo em que o bairro era amizade,
um caso de aversões e afectos, como as outras coisas do amor;
mal persiste essa fé
nuns factos distantes que hão-de morrer:
na milonga que lembra as Cinco Esquinas,
no pátio como firme rosa sob os altos muros,
no letreiro desbotado que ainda diz La
Flor del Norte,
nos rapazes de guitarra e baralho de cartas,
na trôpega memória de algum cego.
Este disperso amor é o nosso desanimado segredo.
Uma coisa invisível faz perecer o mundo,
um amor não mais amplo que uma música.
O bairro afasta-se de nós,
as baixas varandinhas de mármore não enfrentam o céu.
O nosso carinho acobarda-se em tédios,
e é outra a estrela de ar das Cinco Esquinas.
Mas sem ruído e sempre,
em coisas mudas e perdidas, como estão sempre as coisas,
no comerciante de borracha, com o seu listrado céu de sombra,
na taça que recolhe o primeiro e o último sol,
perdura este facto amistoso e prestável,
a lealdade obscura que os versos declaram:
o bairro.
jorge luís borges
obras completas 1923-1949 vol. I
caderno san martín (1929)
trad. fernando pinto do amaral
editorial teorema
1998