DOIS
No último enganou-se nos dinheiros
fez o embrulho num papel errado.
Ri-lhe o primeiro convite. Riu-se em trocos.
Continuei por entre os corredores
do resto do supermercado achando
a cada espaço vazio de caixotes
seu olhar a seguir as minhas compras.
Quando estava prestes a curvar-se
para pesar um frango, uma morcela,
coelhos bravos, queijos ou fiambre
sorria-lhe de novo. Erguia logo
o corpo alertado turvavam-se-lhe as mãos
hesitava pelo ar refrigerado do balcão
até estender os seus produtos
à primeira mulher e às que se seguiam.
Com a cesta de metal quase já cheia
deve ter visto o adeus dado nas coisas
de comer durante muito tempo
veio depois duma qualquer desculpa
fingir que levava fardos para dentro.
Fui atrás por alguns segundos
soube que eram horas de sair
vim esperar depois de tudo pago à porta.
Os carros iam de regresso às casas,
o ar toldado de novembro avermelhava-se
a um sol que vem antes da chuva,
nos autocarros iam por detrás dos vidros
rostos que doía ver passar.
Chegou metendo um pente à algibeira,
a sacola que fora matinal ao ombro,
atravessou comigo o quadrado
da praça quando o trânsito parou.
À última luz do dia via-lhe o cabelo
com o pó do dia de trabalho.
Por agora dizia-me o seu nome
entre dentes rasgados pelas cáries
mas sorrindo tanto sob a pele escura
que eu fechava os olhos para perdurar
até tirar-lhe a camisola, as meias
trocar o meu hálito de dentífricos
pelo seu cansado de erva doutras formas
dir contra os horários as coisas do dinheiro
os outros a dizer-lhe o que devia ser.
De mim havia de ir para uma paragem
à espera do bus de que sairia
num dos caixotes de arrabalde,
o corpo satisfeito mas fendido
do prazer combinado para outro dia
que podia voltar ou não voltar a haver.
antónio palolo
a regra do jogo
1978