– Mas quem?... quem é então que se atreve, como um
conspirador, a arrastar os anéis do seu corpo para o meu peito negro? Quem quer
que sejas, excêntrica serpente, com que pretexto explicas a tua presença
ridícula? Será um vasto remorso que te atormenta? Porque, estás a ouvir,
jibóia, a tua selvagem majestade não tem, ao que suponho, a exorbitante
pretensão de se subtrair à comparação que dela faço com os traços do criminoso.
Essa baba espumosa e esbranquiçada é, para mim, o sinal da raiva. Escuta-me:
sabes que os teus olhos estão longe de beberem um raio celeste? Não esqueças que,
se os teus presumidos miolos me julgaram capaz de te conceder algumas palavras
de consolação, isto se deve apenas a uma ignorância totalmente desprovida de
conhecimentos fisiognomónicos. Durante algum tempo, que seja suficiente, é
claro, dirige o clarão dos teus olhos para aquilo que eu, como qualquer outro,
tenho o direito de chamar a minha face! Não vês como ela chora? Enganaste-te,
basilisco. Precisas de procurar noutro sítio a triste ração de consolo de que a
minha radical impotência te priva, apesar dos numerosos protestos da minha boa
vontade. Oh, que força, em frases exprimíveis, te arrastou fatalmente para a
tua perda? É quase impossível habituar-me à ideia de que tu não compreendes
que, espalmando com um calcanhar na relva avermelhada as curvas fugidias da tua
cabeça triangular, poderia amassar um molho inominável com a erva da savana e a
carne esmagada.
(canto V,
excerto)
isidore
ducasse
conde de
lautréamont
cantos de
maldoror
trad. pedro tamen
fenda
1988