O comboio suburbano corria através dos desertos residenciais
como um punhal sedento do coração.
Dos altifalantes chegava a voz dum dos ditadores
e um esquilo saltava de ramo em ramo,
fugindo ao meu olhar.
Fim de Verão, as pesadas pinhas dos cedros.
uma freira num grosso hábito castanho
sorri como alguém que tivesse percebido tudo.
Na oleosa superfície do charco perseguem-se as libélulas,
os barcos navegam de esguelha e afundam-se na púrpura de um sol
sonolento,
a canícula toca em cada coisa e em cada pele como um alfandegário.
O carteiro dormita no banco, da carteira em pele
derramam-se as andorinhas das cartas, no relvado derrete-se o gelado,
as toupeiras constroem morros em memória de sombrios heróis,
que ninguém vai conhecer. Árvores escuras erguem-se
sobre nós e, por entre elas, chamas verdes.
Vai-se aproximando Setembro, e a guerra, e a morte.
adam zagajewski
sombras de sombras
trad. marco bruno
tinta-da-china
2017