O pai é corcunda e elegante,
magnânimo, discreto, compreensivo.
Recebe no castelo os filósofos
que não suportam o ancien regime,
enquanto a esposa, vinte anos mais nova,
manda servir o chá, vestida apenas
com o colar de pérolas que lhe trouxe,
do seu périplo pela Austrália, Cook.
Têm um filho loiro, tão cientista
ele, está destinado no futuro
a caçar borboletas por hipnose,
ou a dar uma seca na sociedade
geográfica, ou a fazer-se íntimo
de Cuvier ou Champollion. Dá-se
francamente bem a família, vê-se
por aquele costume da senhora
de lambuzar de chocolate o filho
todas as tardes sendo sete em ponto
– a nova hora taurina –, face ao
cúmplice
e orgulhoso olhar do seu paizinho.
luis alberto de cuenca
a vida em chamas
uma antologia
trad. miguel filipe mochila
língua morta
2018