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Da
boca da natureza saem as coisas; da boca do homem, as palavras. Entre essas
palavras e essas coisas, como será possível o encontro? Alguns sonham com isso,
e escrevem essa ilusão como se se tratasse de uma certeza. Outros negligenciam
a natureza para só habitar dentro da língua, ou negligenciam a língua para se confinarem
às coisas. Outros enfim vivem, pensam e escrevem no espaço que separa para
sempre a palavra da coisa. A este respeito, uma palavra de Lichtenberg me
retém: «Não encher a cabeça, mas fortifica-la.» Cada coisa esforça-se por
encher a cabeça do mundo: as religiões, as ciências, as ideologias, as
técnicas. Escrever um poema é fortificar a cabeça do mundo, fora dessa
plenitude.
adonis
arco-íris do
instante
antologia
poética
tradução de nuno júdice
dom quixote
2016