1.
A linguagem é uma pele: esfrego a minha linguagem
contra o outro. É como se tivesse palavras de dedos ou dedos na extremidade das
minhas palavras. A minha linguagem treme de desejo. A emoção resulta de um
duplo contacto: por um lado, toda uma actividade de discurso vem acentuar
discretamente, indirectamente, um significado único, que é «eu desejo-te», e liberta-o,
alimenta-o, ramifica-o, fá-lo explodir (a linguagem tem prazer em tocar-se a si
própria); por outro lado, envolvo o outro nas minhas palavras, acaricio-o,
toco-lhe, mantenho esse contacto, esgoto-me ao fazer durar o comentário ao qual
submeto a relação.
(Falar apaixonadamente é gastar sem termo, sem
crise; é manter uma relação sem orgasmo. Existe talvez uma forma literária para
este coitus reservatus: é a
afectação.)
roland
barthes
fragmentos de
um discurso amoroso
trad. isabel pascoal
edições 70
2017