Sub-reptícia, uma certa gravidade
se apodera de nós: um travo
residual morde as comissuras
do sorriso. No olhar com que olhamos
se demora outro olhar. No aceno
da mão pesa uma lentura inusitada.
Percebemo-lo na aresta de indefinido
mal-estar, na amargura que dura
enquanto dura o tempo de uma
lembrança furtiva. No ar, talvez
que respiramos de tudo o que foi
e fomos e reverbera em nós
ardências e crepitações. Como um soluço
represo e interminável, eles persistem
desgarradamente presos à curvatura
dolorida dos nossos gestos. Eles
doem em nós uma presença muda
e grave. E emprestam a tudo
o que fazemos uma harmonia melancólica.
Com a maré baixa do seu terno desespero,
moram em nós que somos os vivos.
rui knopfli
memória consentida : 20 anos de
poesia 1959-1979
imp. nac. casa da moeda
1982