Estávamos a esquecer-nos tão depressa porque é 
que a morte era uma ideia assim
tão triste, quando apagámos um nome 
da lista de contactos
no telemóvel e nos tentámos lembrar 
de coisas como o som da sua voz, ou de como 
gostaria de ser recordado, 
aliás, (a palavra certa é outra) esquecido.
Então Abril chega e é só mais um mês,
e a primavera rebenta cada vez mais distante 
dos nossos gestos. Não contamos os cabelos, 
mas vê-se bem que são cada vez menos
e a juventude, essa foi uma piada que na altura 
não entendemos, e agora é já um pouco tarde 
para nos começarmos a rir.
A manhã abre um parêntesis enquanto ponho 
a cha1eira ao lume, pego num livro
que larguei ali. Aborreço-me 
com os temas elevados e o modo inspirado 
como trocam impressões as personagens 
deste escritor.
Gostava que Deus existisse e nos visse assim, 
de pijama na cozinha, remelosos e vazios, 
à espera da primeira chávena de café
e de algum twist no enredo dos dias 
que vieram até aqui.
De volta ao quarto onde dorme ainda 
a cinderela da noite passada, 
vou rabiscando umas linhas, uma metáfora
 molengona, a ver se colo duas
estrofes 
que não se entendem entre elas. 
Por motivos óbvios penso na mão 
que subiu pela saia da Mona Lisa 
e lhe ensinou aquele sorriso.
É necessário ter tacto com coisas destas.
A gata borralheira finalmente acorda. 
Falamos durante alguns minutos que 
não consigo passar para aqui
e, depois de umas tiradas
dessas que vêm nos manuais, deixei-me des-
contrair, e vindo de uma rápida associação de ideias 
fui meter o pé numa piada de mau gosto, 
um parque de infância com muitas crianças, 
todas tão indesejáveis, e uma recomendação 
relativa ao uso de contraceptivos.
Ela demorou algum tempo a organizar-se, 
deixou-me um olhar cheio de barcos a afundar 
e foi-se, à procura de outra cama e de um príncipe 
mais inclinado para finais felizes, ainda que 
de curtíssima duração.
Estas coisas acontecem por uma boa razão, 
acho eu. Mas o meu timing continua a não ser 
dos melhores. Até por aí
me achego mais a versos, nestes cadernos 
de exercícios onde marcamos encontros às cegas, 
em lugares onde às tantas até é indiferente 
se mais a1guém virá ou não.
Em que é que estás a pensar?
Tira uma nota mental, espera, tenta enviar 
por telepatia. Ou trauteia uma canção qualquer, 
uma fácil e pode ser que me fique no ouvido. 
Sabes que dizem que é preciso matar o autor 
para que o leitor possa nascer. Anda, 
mata-me um pouco mais...
De qualquer modo não tenho já 
muito por onde ir. Agora estou para aqui, 
com este coração meio-deixa-andar, 
lambido por suores frios, entre esperma e cinzas 
nestes lençóis, nas gengivas deste fim de manhã, 
escrevendo, passeando, como quem assobia 
e tem agarrado pela trela algum abismo, 
um desses animais que apanham o que atiramos 
e vão suportando a nossa companhia.
diogo vaz pinto
resumo
a poesia em 2011
assírio & alvim
2012