05 julho 2012

diogo vaz pinto / estávamos a esquecer-nos tão depressa…






Estávamos a esquecer-nos tão depressa porque é
que a morte era uma ideia assim
tão triste, quando apagámos um nome
da lista de contactos
no telemóvel e nos tentámos lembrar
de coisas como o som da sua voz, ou de como
gostaria de ser recordado,
aliás, (a palavra certa é outra) esquecido.

Então Abril chega e é só mais um mês,
e a primavera rebenta cada vez mais distante
dos nossos gestos. Não contamos os cabelos,
mas vê-se bem que são cada vez menos
e a juventude, essa foi uma piada que na altura
não entendemos, e agora é já um pouco tarde
para nos começarmos a rir.

A manhã abre um parêntesis enquanto ponho
a cha1eira ao lume, pego num livro
que larguei ali. Aborreço-me
com os temas elevados e o modo inspirado
como trocam impressões as personagens
deste escritor.
Gostava que Deus existisse e nos visse assim,
de pijama na cozinha, remelosos e vazios,
à espera da primeira chávena de café
e de algum twist no enredo dos dias
que vieram até aqui.

De volta ao quarto onde dorme ainda
a cinderela da noite passada,
vou rabiscando umas linhas, uma metáfora
 molengona, a ver se colo duas estrofes
que não se entendem entre elas.
Por motivos óbvios penso na mão
que subiu pela saia da Mona Lisa
e lhe ensinou aquele sorriso.
É necessário ter tacto com coisas destas.

A gata borralheira finalmente acorda.
Falamos durante alguns minutos que
não consigo passar para aqui
e, depois de umas tiradas
dessas que vêm nos manuais, deixei-me des-
contrair, e vindo de uma rápida associação de ideias
fui meter o pé numa piada de mau gosto,
um parque de infância com muitas crianças,
todas tão indesejáveis, e uma recomendação
relativa ao uso de contraceptivos.

Ela demorou algum tempo a organizar-se,
deixou-me um olhar cheio de barcos a afundar
e foi-se, à procura de outra cama e de um príncipe
mais inclinado para finais felizes, ainda que
de curtíssima duração.

Estas coisas acontecem por uma boa razão,
acho eu. Mas o meu timing continua a não ser
dos melhores. Até por aí
me achego mais a versos, nestes cadernos
de exercícios onde marcamos encontros às cegas,
em lugares onde às tantas até é indiferente
se mais a1guém virá ou não.

Em que é que estás a pensar?
Tira uma nota mental, espera, tenta enviar
por telepatia. Ou trauteia uma canção qualquer,
uma fácil e pode ser que me fique no ouvido.
Sabes que dizem que é preciso matar o autor
para que o leitor possa nascer. Anda,
mata-me um pouco mais...
De qualquer modo não tenho já
muito por onde ir. Agora estou para aqui,
com este coração meio-deixa-andar,
lambido por suores frios, entre esperma e cinzas
nestes lençóis, nas gengivas deste fim de manhã,
escrevendo, passeando, como quem assobia
e tem agarrado pela trela algum abismo,
um desses animais que apanham o que atiramos
e vão suportando a nossa companhia.





diogo vaz pinto
resumo
a poesia em 2011
assírio & alvim
2012



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