12 julho 2012

katerina angheláki-rooke / regresso ao tempo sem amor





     O cão foi o primeiro sinal
     de que brilham vazios os espelhos cá dentro
     e de que havia um espaço infinito para ele
     no interior da minha história;
     podia entregar-me inteira a ele
     aos seus pulinhos à luz
     e outras actividades caninas.
     Antigamente era assim, como casinha de recém-casados,
     e a alma,
     no ar meio roído em que se abrigava,
     onde ainda não havia cheiros e choros,
     leve como escama a arrastava o futuro.

     Ontem à noite tornei a perder o barco
     e enquanto os filhinhos dos amigos quietos
     mergulhavam no seu sono azulado,
     enroupava-me uma serenidade semelhante à origem,
     talvez porque só o silêncio
     pode unir a mirra da vida
     com o furúnculo da morte;
     mudo o humano
     vê primeiro uma depois o outro
     a alastrarem na carne.
     E ninguém sabe se é progresso ou imobilidade
     este vazio que como lava espessa
     recobre as culturas do espírito,
     se as obras que se apresentam à memória
     vão a subir ou a descer,
     se é perda ou lucro a dedicação
     e se se roeram os dentes da máquina
     no momento em que íamos para novo voo.

     É tão certa hoje a terra
     com os ramos secos, o pouco verde,
     os torrões de terra que bondosos
     se descansam na terra repartindo a emoção
     equitativamente entre o fim e a origem...
     Mas é fim esta beleza
     que sempre inacessível
     aflora os humanos torturados?
     É fim aquilo que desarticulado se prepara
     nas câmaras escuras do tempo
     e não deflagra em desesperos e pragas,
     mas bate em retirada diante das explosões que se aproximam?
     É fim ou outra origem
     na qual hoje à noite farão círculo
     as caudas dos bichos adormecidos
     em redor do meu sono,
     para que eu passe ligeira
     para a sombra inconsciente
     como se nunca tivesse gritado:
     "Meu amor, perco-me se me deixares agora!"
     como se nunca tivesse tido o corpo sem fim.




     katerina angheláki-rooke
     (grécia, n. 1939)
      (de "belo deserto o corpo")
      tradução de manuel resende




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