O Porto é só uma certa maneira de me refugiar na
tarde, forrar-me de silêncio e procurar trazer à tona algumas palavras, sem
outro fito que não seja o de opor ao corpo espesso destes muros a insurreição
do olhar.
O Porto é só esta atenção empenhada em escutar os
passos dos velhos, que a certas horas atravessam a rua para passarem os dias no
café em frente, os olhos vazios, as lágrimas todas das crianças de S. Vítor
correndo nos sulcos da sua melancolia.
O Porto é só a pequena praça onde há tantos anos
aprendo metodicamente a ser árvore, aproximando-me assim cada vez mais da
restolhada matinal dos pardais, esses velhacos que, por muito que se afastem,
regressam sempre à minha vida.
Desentendido da cidade, olho na palma da mão os
resíduos da juventude, e dessa paixão sem regra deixarei que uma pétala pouse
aqui, por ser de cal.
eugénio de andrade
vertentes do olhar
poesia
fundação eugénio de andrade
2000
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