A doçura de não ter família nem companhia, esse
suave gosto como o do exílio, em que sentimos o orgulho do desterro esbater-nos
em volúpia incerta a vaga inquietação de estar longe — tudo isto eu gozo a meu
modo, indiferentemente. Porque um dos detalhes característicos da minha atitude
espiritual é que a atenção não deve ser cultivada exageradamente, e mesmo o
sonho deve ser olhado alto, com uma consciência aristocrática de o estar
fazendo existir. Dar demasiada importância ao sonho seria dar demasiada importância,
afinal, a uma coisa que se separou de nós próprios, que se ergueu, conforme
pôde, em realidade, e que, por isso, perdeu o direito absoluto à nossa
delicadeza para com ela.
As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade
que as reais.
O meu mundo imaginário foi sempre o único mundo
verdadeiro para mim. Nunca tive amores tão reais, tão cheios de verve de sangue
e de vida como os que tive com figuras que eu próprio criei. Que pena! Tenho
saudades deles, porque, como os outros, passam...
s.d.
fernando
pessoa
livro do
desassossego por bernardo soares. vol.II
ática
1982
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