02 setembro 2017

pedro tamen / manhã no louvre



1. O escriba acocorado

Ele que escreve que não saibamos já,
olhos fitos no nada que por ciência tem?
Sob os ardores do sol burila só silêncio
que sustenta no colo
e onde cabe tudo.


2. Vénus de Milo

Tisnada pelos tempos, com braços largou
com que agarrasse a norma
e o calendário sábio:
nem mais nem menos que outras,
teve a sorte que o século
dispensa aos muitilados.


3. Vitória de Samotrácia

Ideia pura, impura, do sobre o mar vencido,
ei-la que nada é, sequer a glória,
senão escultura, pedra,
e, mais, dispersa
nessa mão intrigada e lacunar
que nada diz nem voa.


4. Gioconda

Agora sei, enfim, porque sorri:
tantos papalvos, céus, em busca da memória
que a pintura não dá.

 Maio, 1989



pedro tamen
colóquio letras 113-114
fundação calouste gulbenkian
1990





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