04 agosto 2016

marcos tramón / num bar nocturno



Uma, como se fosse toda um nervo,
inquieta. A outra, sóbria, mais serena.
Ambas morenas e provocadoras
(como um convite inalcançável),
Beijam-se sem pudor (já te toparam)
Certas de tentar a quem as olha.
A tua cara uma garrafa, vermelha,
de vinho tinto entre as mãos delas
(bebem como cossacos).
Saberás dissimular tanto descaro,
porque pensas que elas já te entendem,
que te explicas inteiro ao observá-las.

Não é tão fácil, não é baixa excitação
se as contemplas.
É algo muito mais para além disso,
é algo muito mais para alem delas.
E é tão fácil, contudo, é tão fácil
como um desejo. E como poderias
explicar o amor assim de súbito?
E não será o amor qualquer coisa
de essencial natureza
feminina, palpável de verdade
unicamente num corpo de mulher?

A tal ponto que desejarias
ser essa rapariga que desperta nervosa
para o desejo que cumpre entre outras companheiras,
com outras companheiras…
Olha-as, já se vão. De todos esses dias
que são para elas um feliz segredo,
que brilham como vertigem nos seus olhos,
como caídos do céu, nem a um só
estás tu convidado. Melhor assim.
Cúmplices te dedicam um último beijo cúmplice.

Ninguém lhes diga o que é o amor,
elas de boa fé já o sabem.


marcos tramón
poesia espanhola anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000



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