Melancolia,
despojos e tendas, sinais,
no desabar das praias.
Havia um cão que caminhava.
Um cão sem nome, às vezes deitado.
Tão meus eram os seus olhos de cão deitado e às vezes
corria.
Há cães como esse,
cães que atravessam a desolação da areia como faro de
desaparecidos deuses, muito antigo.
São lugares para o sono, estes.
Lugares onde se adormece para sempre no rebordo do sol,
na lassidão dos braços.
Silva o ar nos corredores da respiração e não se sabe
o porquê das coisas
o tesouro das marés.
Insurge-se na pele, na exaltação dos poros, o verão de
cada ano,
uma saudade de búzios e barcos esquecidos,
um assombro de náufragos.
Despojos e peles, tardes de iodo e bronze.
Começará o desejo na demora do sol,
no relevo das nádegas?
Há cães que espreitam.
Cães que vagueiam no alarme das dunas, comovidos
homens deitados, com o azul por cima e à volta, de
lado a lado.
Tendas, gritos entrecruzados e a ave imóvel,
tranças desfeitas pela desatenção das ondas, em
desordem,
embatendo.
Caminham os relógios, vorazes ponteiros destruindo
tudo,
e o homem corre, senta-se, enreda a alma nas cordas
do verão,
sinais da paixão, decrépitas gentes, tristes.
josé agostinho baptista
auto-retrato
biografia
assírio & alvim
2000
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