14 agosto 2016

joaquim manuel magalhães / pelos caminhos da manhã


primeiro

A sombra da ave sobre o mar
Cada onda protege o seu percurso.
Partem o sol, o imperfeito rosto
dos deuses de cada instante.
Passa no céu,
uma corda prende-lhes na cinta
a roupa, o fogo, aí repousa
o tempo e o chão liso.

A tua pele parece uma espada,
uma esfera de ouro, um olhar perdido.
As maçãs caem, ficam em flor,
a água dorme, os insectos,
o sal dos juncos, o barro a secar.
A diurna transfiguração do corpo,
do meu, do teu, a música da matéria.

No mesmo abraço adormecidos
inteiros sob o véu dos astros
de novo os guia um triplo silêncio.
Sobre os vidros da erva
cobertos do luar do verão.
Ouvem hinos ocultos, números
a que respondem poderes, ritos, preceitos,
a  ressurreição.
  


joaquim manuel magalhães
consequência do lugar
relógio d´água
2001



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