ABRAÇO. O gesto do abraço apaixonado parece preencher, num momento,
para o sujeito, o sonho da união com o ser amado.
1
Fora do acasalamento (para o diabo, então, com o Imaginário), há este
outro abraço, que é um enlace imóvel: estamos encantados, enfeitiçados: estamos
no sono, sem dormir; estamos na voluptuosidade infantil do adormecimento: é o
momento das histórias contadas, o momento da voz, que me vem fixar, siderar, é
o retorno à mãe («na calma dos teus braços amantes», diz uma poesia musicada
por Duparc). Neste incesto reconduzido, tudo então fica suspenso: o tempo, a
lei, o proibido: nada se esgota, nada se quer: todos os desejos estão abolidos
pois parecem definitivamente realizados.
2
Porém, no meio deste abraço infantil, o genital acaba fatalmente por
surgir; destrói a sensualidade difusa do abraço incestuoso; a lógica do desejo
põe-se em movimento, regressa ao querer-para-si, o adulto sobrepõe-se à
criança. Sou, então, simultaneamente dois sujeitos: quero a maternidade e a
genitalidade. (O apaixonado poderia definir-se: uma criança que se revolta:
assim era o jovem Eros.)
3
Momento de afirmação: durante um certo tempo, na verdade terminado,
perturbado, algo se conseguiu: fiquei realizado (abolidos todos os meus desejos
pela plenitude da sua satisfação). A plenitude existe e não deixarei de a fazer
regressar: por entre todos os meandros da história de amor, teimarei em querer encontrar,
renovar, a contradição – a contracção – de dois abraços.
roland barthes
fragmentos de um discurso amoroso
trad. isabel pascoal
edições 70
2017