primeiros cadernos
caderno n.º 4 janeiro 1942 / setembro 1945
trad. não disponível (antónio quadros?)
livros do brasil
1973
Peste… «E de cada vez que li uma história de peste, do fundo de um coração envenenado pelas suas próprias revoltas e pelas violências dos outros, um grito claro se ergueu dizendo que no entanto havia nos homens mais coisas para admirar do que para desprezar.»
… «E a peste cada um a traz consigo, porque ninguém, sim, ninguém no mundo, está imune. E é necessário vigiarmo-nos constantemente para não sermos levados num minuto de distracção a respirar na cara de alguém e a pegar-lhe a infecção. O que é natural é o micróbio. O resto, a saúde, a integridade, a pureza, se preferirem, é um efeito da vontade, e de uma vontade que nunca deve deixar de exercer-se. O homem honesto, o que não infecta ninguém, é aquele que se distrai o menos possível.
Sim, é frequente ser-se um patife. Mas é ainda mais fatigante não querer ser um patife. É por isso que toda a gente está fatigada porque toda a gente o é um pouco. Mas é por isso também que alguns conhecem tão fundo cansaço que só a morte os poderá libertar dele.»
albert camus
cadernos III
(caderno nr. 5 1948/1951)
trad. antónio ramos rosa
livros do brasil
1966
Alexandre Blok,
«Oh se soubésseis crianças
as trevas e o frio dos dias que hão-de vir.»
e ainda:
«Como é penoso andar por entre os homens,
Fingir ainda existir.»
e ainda:
«Somos todos infelizes. A nossa pátria preparou-nos um terreno para as paixões e os dissídios. Cada um de nós vive por trás de uma muralha da China desprezando-se mutuamente. Os nossos verdadeiros inimigos são os popes, a voka, a coroa, os polícias, ocultando os seus rostos e excitando-nos uns contra os outros. Esforçar-me-ei por esquecer… todo este atoleiro para se chegar a ser um homem e não uma máquina de incubar o ódio…
… Só amo a arte, as crianças e a morte.»
Id. Perante a ignorância e o esgotamento dos pobres:
«O meu sangue gela de vergonha e de desespero. Só há vazio, maldade, cegueira, miséria. Só uma compaixão total pode produzir uma mudança… Reajo assim por que a minha consciência não está tranquila… Sei o que devo fazer: dar todo o meu dinheiro, pedir perdão a toda a gente, distribuir os meus bens, o meu vestuário… Mas não posso… não quero… »
«Ó minha querida, minha bem amada ralé!»
«O que está nos confins da arte não pode ser amado» e no entanto: «Nós morremos todos, mas a arte fica.»
albert camus
cadernos III
(caderno nr. 6 abril 1948/Março 1931)
trad. antónio ramos rosa
livros do Brasil
1966