Todos traíram, aqueles que incitavam à resistência
e aqueles que falavam da paz. Eles aí estão, tão dóceis e mais culpados que os
outros. E jamais o indivíduo esteve tão só diante da máquina de fabricar mentiras.
Ele pode ainda desprezar e lutar contra o seu desprezo. Se não tem o direito de
se afastar e de desprezar, conserva o de julgar. Nada pode sair do humano, da
multidão. A traição seria crer o contrário. Morre-se só. Todos vão morrer sós. Que
ao menos o homem só conserve aqui o poder do seu desprezo e de escolher na
pavorosa experiência o que serve para a sua própria grandeza.
Aceitar a experiência e tudo o que ela comporta. Mas
jurar apenas cumprir na menos nobre das tarefas o mais nobre dos gestos. E a
base da nobreza (a verdadeira, que é a do coração) é o desprezo, a coragem e a
profunda indiferença.
albert camus
primeiros cadernos
caderno nr. 3 (abril
1939-fevereiro 1942)
trad. antónio quadros (?)
livros do brasil
1973
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