DOIS meninos, dois ramos de um mesmo arbusto de miséria,
juntos, na noite quente, sob o mesmo portal,
dois meninos, mendigos cheios de pústulas,
comem de um mesmo prato como cães esfomeados
a comida lançada por preia-mar de banquetes.
Dois meninos: um negro, o outro branco.
Suas cabeças unidas, semeadas de piolhos;
seus pés muito juntos e descalços;
as bocas incansáveis num mesmo frenesim de mandíbulas,
e sobre a comida gordurenta, azeda,
duas mãos: uma negra, outra branca.
Que união tão sincera e tão forte!
Estão ligados pelos estômagos e pelas noites foscas,
e pelas tardes melancólicas nos passeios brilhantes,
e pelas manhãs explosivas,
quando o dia desperta com seus olhos alcoólicos.
Estão unidos como dois bons cães…
Juntos assim como dois bons cães,
um negro, o outro branco,
quando chegar a hora de marchar
irão querer marchar como dois homens bons,
um negro, o outro branco?
Dois meninos, dois ramos de um mesmo arbusto de miséria,
Comem, na noite quente, sob o mesmo portal.
nicolas guillen
antologia poética I
tradução de carlos grifo
editorial presença
1970
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