O cão foi o primeiro sinal
     de que brilham vazios os
espelhos cá dentro
     e de que havia um espaço
infinito para ele
     no interior da minha
história;
     podia entregar-me inteira a
ele
     aos seus pulinhos à luz
     e outras actividades
caninas.
     Antigamente era assim, como
casinha de recém-casados,
     e a alma,
     no ar meio roído em que se
abrigava,
     onde ainda não havia cheiros
e choros,
     leve como escama a arrastava
o futuro.
     Ontem à noite tornei a
perder o barco
     e enquanto os filhinhos dos
amigos quietos
     mergulhavam no seu sono
azulado,
     enroupava-me uma serenidade
semelhante à origem,
     talvez porque só o silêncio
     pode unir a mirra da vida
     com o furúnculo da morte;
     mudo o humano
     vê primeiro uma depois o
outro
     a alastrarem na carne.
     E ninguém sabe se é
progresso ou imobilidade
     este vazio que como lava
espessa
     recobre as culturas do
espírito,
     se as obras que se
apresentam à memória
     vão a subir ou a descer,
     se é perda ou lucro a
dedicação
     e se se roeram os dentes da
máquina
     no momento em que íamos para
novo voo.
     É tão certa hoje a terra
     com os ramos secos, o pouco
verde,
     os torrões de terra que
bondosos
     se descansam na terra
repartindo a emoção
     equitativamente entre o fim
e a origem...
     Mas é fim esta beleza
     que sempre inacessível
     aflora os humanos
torturados?
     É fim aquilo que
desarticulado se prepara
     nas câmaras escuras do tempo
     e não deflagra em desesperos
e pragas,
     mas bate em retirada diante
das explosões que se aproximam?
     É fim ou outra origem
     na qual hoje à noite farão
círculo
     as caudas dos bichos
adormecidos
     em redor do meu sono,
     para que eu passe ligeira
     para a sombra inconsciente
     como se nunca tivesse
gritado:
     "Meu amor, perco-me se
me deixares agora!"
     como se nunca tivesse tido o
corpo sem fim.
     katerina angheláki-rooke 
     (grécia, n. 1939)
      (de "belo deserto o
corpo")
      tradução de manuel resende