A casa em
ruínas que vejo daqui
salta da
janela, entra nesta sala,
mas não tem
janelas que a façam brilhar,
as molduras
rotas carregadas de ar,
as portas cobertas
da hera mais pura,
as telhas
brilhantes de ausência de cor,
e um buraco
imenso onde o coração
devia luzir, se
as ruínas não –
Morre devagar,
como o universo,
galáxias e
mares de estrelas e sóis:
política rara
sem reis nem senhores,
mas tenso
equilíbrio de forças sem luz.
Morrem devagar
o tempo e os livros,
as estantes
todas que habitam a sala:
pobre
microcosmo do Bem e do Mal,
e do que nem
isso, que é o mais vulgar.
Lembra-me,
escarlate, só pela memória,
um livro maior
de forças a sério:
o claro e o
escuro de um igual terror
À casa em
ruínas salvam-na essas asas
que vejo daqui,
saltam da janela
e entram nesta
sala. Não são as do anjo,
mas têm nas
penas um sistema hidráulico
que as faz
oscilar e rasar os ventos.
Olham-me,
sombrias, dentro de um futuro
liso e sem
ruínas – só de um chão mais puro
onde a casa
houve, de janelas rasas
carregadas de
ar. Só ele é comum
ao anjo e a
elas, elas cheias dele,
ele,
transportando e oscilando em paz.
Quando for sem
ser? Só um limpo instante
de equalizador:
ruínas e ventos,
janelas e anjo,
heras e senhores
em mudas
frequências, enxutos os sons?
E um poço vazio
onde o coração
foi visto
bater: partícula igual
ao pó de um
cometa que um dia rompeu,
devorando o ar.
E a casa em ruínas
abrandada em
tempo, vogando no branco
de
resplandecentes seis sílabas. Sós.
ana luísa amaral
vozes
dom quixote
2011