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08 janeiro 2024

r. lino / mapas

 
 
1.
 
Esta terra.
Mostrar tempos que o tempo tem.
Que silêncio rasgou
quem não calou o que disse?
A espécie ao sabor dos climas,
e dos valores. Milhares de anos
recobriram as grandes forças
e, depois, os homens,
e as mulheres, e as crianças,
os seus animais de luta e os de guarida,
o nome dos seus deuses
o rasto das suas mortes
o sopro das suas crenças.
Festas, medos, raptos,
raivas, guerras, cânticos inteiros.
Um crescimento… É o que dizemos,
– nos fios da memória
As feridas abrem os destinos que criamos –
 
 
 
r. lino
mapas
políptico
companhia das ilhas
2016
 



16 outubro 2022

r. lino / palavras do imperador hadriano no princípio de antinöé



o dinheiro ficará pardo
enquanto te uso; relembro;
falo pouco das gretas,
anónimas margens das mãos,
e do calor
mais de ti, porém…
recebo a imortalidade
que para mim deixaste
alienada na obrigação dos escravos,
procurados a partir de nós
– como o Império –
no sítio desta boca.
convém deixar (assim o penso)
outro rasto
feito miragem do trabalho
e, no entanto,
o mundo correrá exactamente
para o contrário.
famoso ficará o inventor
das diferenças no vasto bosque
da igualdade…
tu,
quem eras
para deste modo o permitires?
 
 
 
r. lino
palavras do imperador hadriano
políptico
companhia das ilhas
2016

 




 

18 janeiro 2022

r. lino / das origens

 
no ano de mil novecentos e setenta e um
depois de cristo
a agricultura crescia, se não me engano,
pelo mês de março
e os versos pelo tempo.
entre a ousadia e as cidades
– lá onde param os bairros na memória –
as crianças dos fossos arremetem palavrões
a quem lhes não abre a porta para esmolas.
no ano de mil novecentos e setenta… , digo,
nesse ano
tudo continuará igual à igual diferença
de alguns acertos…
onde pousam os pés dos meus irmãos
eu não sei
mas certamente que não pelo descanso mensal
dos verdes sobre as praias…
 
 
 
r. Lino
atlas paralelo
livro 2 das origens
gota de água / imprensa nacional-casa da moeda
1984




 

15 novembro 2021

r. lino / palavras do imperador hadriano no princípio do sono

 
 
cortados os olhos em sono aberto
pelas pálpebras se me ferem os dias
e o teu corpo vejo
desfeito entre lençóis:
sombras de dentes
cravados pelos ombros, sinais do tempo
no rebordo das manhãs.
a mim, no poder, me usaste tu
mais do que a ti, no amor, eu usei.
caminhos e túnicas
por iguais desígnios eu tive
e sobre uns e sobre outras
me alonguei
ferindo de atenção pelos olhos
o corpo como conquista.
antinöé é – no entanto –
teu eco e não minha vontade
de lutar contra a morte.
enquanto percorro esta alegria
de saber que, morto tu,
em mim a vida sinto
para te saudar,
ferem-se-me os dias pelas pálpebras
em sono aberto…
 
 
 
r. lino
livro de lentidão
políptico
companhia das ilhas
2016





 

27 abril 2021

r. lino / livro de rigor

 
 
um
 
o tempo é manso e não escorre
enquanto um homem
segue pelo caminho dos homens
aguçada como o vento
no rigor de quem se vê
cai a morte
entre a dor e a certeza
 
 
 
r. lino
livro de rigor
políptico
companhia das ilhas
2016





11 novembro 2020

r. lino / nove instantâneos do sul

 
 
.terceiro.
 
nada se assemelha ao encontro do calor
que a brisa leva abrigado pelo fresco.
 
esta planície, as vestes
gestos vagos de cheiroso sândalo,
 
encontros preparados para a noite
lutas, pérolas e coragem:
 
três lâminas
aguçadas de surpresa.
 
 
 
r. lino
nove instantâneos do sul
políptico
companhia das ilhas
2016

 




28 outubro 2019

r. lino / palavras do imperador hadriano na morte de antínoos



começo a fala:
o som dos meus lábios
nesta boca de silêncio:
lá fora, o oriente
nas fronteiras do meu poder.
que arbitrária beleza
me fez conceder
a esse estranho corpo da Grécia
a possível eternidade do meu?
que outro nome
– menos fugaz que o das guerras –
poderia eu ter desejado
para o sentido das memórias?
por um breve lapso de tempo
teço de paisagens o seu perfil
como se
para lá da vida
ainda houvesse a morte.



r. lino
palavras do imperador hadriano
segunda série
políptico
companhia das ilhas
2016





25 junho 2019

r. lino / nove instantâneos do sul



.segundo.

que sonho têm os pássaros,
luminoso mar,
navegados os dias?


circunstâncias do sol,
vão as manhãs
as folhas dos pessegueiros
os caroços
e as frutas sumarentas…



r. lino
nove instantâneos do sul
políptico
companhia das ilhas
2016





27 agosto 2018

r. lino / palavras do imperador hadriano na morte de antínoos




perdi – quando partiste –
o completo sentido das metáforas…
terei adiado para outras tardes
abreviadas conversas
de suspeitos projectos?
– ou arrastado os olhos
para verdes mares
de idênticas cores?!
falo do Império
como do teu;
não mais fustigarei as palavras:
possibilidade inscrita no corpo
pela exaustão do silêncio,
deste
que fala o que digo
– em vez de mim para ti,
como se pelo espelho –
enquanto agarro
este e outro
coração nos meus gestos.


r. lino
palavras do imperador hadriano
segunda série
políptico
companhia das ilhas
2016







19 outubro 2017

r. lino / palavras do imperador hadriano no princípio de antinöé




não;
não por ti, a quem amei
mas por mim, a quem amaste
construo eu esta cidade:
cruzado centro
entre Roma e o Império.
por aqui
– talvez esquecido, talvez lembrado –
teu nome
noutras bocas se dirá
de mim, de mim sobretudo
soará esta paixão que
em teu nome, assim paraste:
suspenso sacrifício
entre sonos de areia e o teu futuro
muralha por muralha
o teu passado construído.
esta cidade
entre Roma e a Barbárie,
posto seguro na força do Império,
esta cidade
tua e não minha
– pretexto mais grato do meu poder –
ficará esta cidade.
não;
não por mim, a quem amaste
mas por ti, a quem amei
conhecido nome se fará:
nome do corpo, nome de roma
nome do tempo eu
– finito e sem dias –
assim permanece:
memória da memória
na memória de ti.



r. lino
palavras do imperador hadriano
políptico
companhia das ilhas
2016






30 junho 2017

r. lino / nove instantâneos do sul



.primeiro.

as manhãs caem no intervalo dos panos,
normalmente rectangulares;
as listas descem até às sombras
penduradas nas varandas,
nos mercados,
como se compridas vestes
por entre tectos de cana



r. lino
nove instantâneos do sul
políptico
companhia das ilhas
2016





11 abril 2017

r. lino / palavras do imperador hadriano na morte de antínoos




há muito vinho nos barris;
um barco desce o rio;
a velhice sobe
no princípio das grandes rugas solitárias.
semana a semana
chega a seiva do deserto:
fome farta de fartas sombras.
foi pela 12.ª hora que Chabrias entrou
e me disse na tenda
por onde ido te não sabia.
indícios pelos caminhos,
até às palavras finais de Hermógenes,
atravessámos.
chamei então todas as doenças
invocando o igual misté-
rio das saúdes:
dor que se corta pelo sol
como a fresca brisa pelo deserto
e o sémen
conhecia nos teus olhos a sagrada viagem
desse fogo: atento dorso que era meu.
sozinho no prazer me ergo agora
dentro desse corpo
por mil canais atravessado.
quem por mim
– hora em que regresso partindo tu –
devastará os profundos sulcos desses lábios
– quanto de tanta juventude me tiraste –
tão macios e tão gretados?


r. lino
palavras do imperador hadriano
políptico
companhia das ilhas
2016






21 fevereiro 2017

r. lino / palavras do imperador hadriano na morte de antínoos



perdi – quando partiste –
o completo sentido das metáforas…
terei adiado para outras tardes
abreviadas conversas
de suspeitos projectos?
– ou arrastado os olhos
para verdes mares
de idênticas cores?!
falo do Império
como do teu;
não mais fustigarei as palavras:
possibilidade inscrita no corpo
pela exaustão do silêncio,
deste
que fala o que digo
– vez de mim para ti,
como se pelo espelho –
enquanto agarro
este e outro
coração nos meus gestos.


r. lino
políptico
companhia das ilhas
2016



02 julho 2016

r. lino / ter-se-à narrado então a ventura da travessia


2.
ter-se-à narrado então a ventura da travessia
pelos vários modos havidos nessa altura.
acercaram-se desconhecidos os dedos pelos mapas
cujas cidades designassem a esmo
o nome de quem pelas ficções
houvera permanência: santos e escravos,
poetas, putas e astrólogos.
no minucioso detalhar de cada rua
se fez geográfico continente para visitar:
quotidiano rodeado de ficções por todo o lado
menos por um a que se chama isto.


r. lino
atlas paralelo
plural
gota de água / imprensa nacional-casa da moeda
1984


10 março 2015

r. lino / hoje, as cidades




hoje, as cidades
ficaram um pouco mais longe
e eu não sei porquê
só sei que ficaram mais longe
               as cidades
à beira-mar, havendo por todo o globo
as duas vidas:
eleanor damortis animada de festas e de estios
ou a rapariga que vive
a mil e quinhentos paus por mês
não sabendo no armário
outros sítios de ser festa ou esperar.
(do outro lado da ribeira o velho cão
Guarda o corpo como algas
E compotas de frio às seis da tarde…)
A rapariga do armário
Mata-se na cidade
Do outro lado de ser diferente o mesmo tempo.



r. lino
sião
organização e notas de
al berto, paulo da costa domingos e rui baião
lisboa
1987



10 julho 2010

r. lino / palavras do imperador hadriano no princípio do sono








há um pouco de vento fustigando a tarde
- mas não mais que um pouco –
e o meu corpo exposto às dunas
cai como ao princípio da noite.
hoje e ontem
escorrem-me pelos olhos
enquanto estendo as mãos
e por elas inscrevo o gosto do tacto pela areia.
disseram-me que o homem
estava escrito no homem
e o tempo dele: linhas cruzadas
ou ilhas ou maior profundidade,
nunca pude ler as tuas mãos
e das linhas apenas percebi
como pelos gestos tu me afirmavas
ou negando
me reafirmavas: dunas pelo vento
e de novo partíamos.
não posso, no entanto, pedir contas
à tua ausência. no simulacro
da coragem, quantas vezes
teremos dito o que negávamos
e a tua boca
mais perto da minha
teria, apesar
a certeza de que ninguém perde ninguém
e que os negócios do estado
apenas confirmam
entre as misérias de uns
e os ousados roubos de outros
como passa sobre essa certeza
o tempo
ao correr das sociedades
e dos impérios
no princípio desta noite.





r. lino
palavras do imperador hadriano
1984
sião
organização e notas de
al berto, paulo da costa domingos e rui baião
lisboa
1987