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08 abril 2021

inês lourenço / sessão literária

 
 
Falam de perfeição. De perseguir
ao menos em verso, esse vórtice de luzes
e excelsa beleza ou
beatitude que logrará
 
a canónica obra. Velho
enredo já sem graça divina
nem humana.
 
Melhor falassem
das batatas novas, que
costumam aparecer
antes da Páscoa.
 
 
 
inês lourenço
o segundo olhar
companhia das ilhas
2015






 

27 junho 2020

inês lourenço / satélite



Os meus olhos acolhem um bando
de reflexos, invisíveis a horas
mais sombrias, na luz aberta
deste fim de Junho. Vêm ao meu
encontro os grandes plátanos do
jardim, ameaçados pelas
prováveis escavações do Metro.
Por ora ainda matizam os rostos
dos passantes e a penumbra das
janelas. No passeio das paragens
de autocarro para Ermesinde,
Areosa e outros debruns urbanos,
o volume dos corpos recorta-se
quadriculado pela luz. Seios e
estômagos transferem-me para
um estranho país de aleitamento e
digestões. Sigo num culpado
exílio a dobrar a esquina e inclino
os passos para o Satélite, onde
regresso ao aroma navegável
do cimbalino.



inês lourenço
o segundo olhar
companhia das ilhas
2015






28 abril 2020

inês lourenço / sala provisória


Nunca se sabe
quando estamos num lugar
pela última vez. Numa casa
que vai ser demolida, numa sala
provisória que vai encerrar, num velho
café que mudará de ramo, como
página virada jamais reaberta, como
canção demasiado gasta, como
abraço tornado irrepetível, numa
porta a que não voltaremos.



inês lourenço
o segundo olhar
companhia das ilhas
2015









01 fevereiro 2019

inês lourenço / dois cimbalinos escaldados



Não sei, meu amigo, o que
irradiava mais calor, se
a chávena escaldada, se
o cimbalino fervente, se
as conversas sobre livros de poesia
que nesse tempo ainda
acreditávamos ser a maior
razão.

Curto, normal, cheio
o cimbalino, esse negro odor
com moldura branca
numa mesa de café, na cidade
onde habitávamos desde sempre.


inês lourenço
o segundo olhar
companhia das ilhas
2015








15 setembro 2018

inês lourenço / miramar




Acender um cigarro na praia, proteger
o difícil estertor da pequena chama. Anular
o vento na manga do teu casaco. Reter
preso entre os dedos o princípio breve
dessa efémera combustão.



inês lourenço
o segundo olhar
companhia das ilhas
2015












05 fevereiro 2018

inês lourenço / natureza morta




Risco na velha agenda, com
um traço ténue, o teu nome
e morada. É um risco
que nada anula e semelha
uma antiga lápide
que o tempo rasurou.



inês lourenço
o segundo olhar
companhia das ilhas
2015








03 junho 2016

inês lourenço / ária



É belo o tempo de Inverno,
no silêncio, a lenha húmida
das maternas canções da chuva.
Na lentidão de Janeiro
fica mais longe a morte. As aves
habitam nos beirais
como príncipes destronados.


inês lourenço
o segundo olhar
companhia das ilhas
2015




07 abril 2016

inês lourenço / curativos



Sim, senhora enfermeira,
porei a compressa depois de lavar
com betadine-espuma e sem esquecer
a pomada de óxido de zinco. Mas o que vou
lembrar doravante é a sua informação de que o ânus
é menos sujo do que a boca, apesar dos poetas
há tantos séculos cantarem e exaltação das bocas
onde nascem versos e beijos, para
chegarmos a essas histórias de bactétrias
que nos condenam a esta mortal assepsia.



inês lourenço
voo rasante
antologia de poesia contemporânea
mariposa azual
2015