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28 agosto 2025

maria amélia neto / o areal

  
 
Só há areia
E um céu demasiado lúcido.
A transparência intacta feriu o nosso cérebro,
Mutilou os nossos pensamentos,
Fez nascer violetas de fogo no silêncio.
Arrastados pelas torrentes de luz,
Alagamos de solidão os nossos olhos.
 
Nem silvados, nem pauis,
Nem o pulsar do álamo.
É necessário continuar,
Mas quem descobre o rumo da areia?
Escutei vozes e nem uma conhecia o caminho.
Inventei vultos para me fazerem companhia,
E todos mantiveram os olhos cerrados.
Se eram cegos, porque me sorriam?
E porque havia nos seus dedos
A sugestão da cítara?
E porque me apontou um deles
Um flamingo, um cipreste, um lago,
Que os seus olhos não viam
E que os meus tinham começado a imaginar?
 
 
 
maria amélia neto
cicuta em março (1964)
antologia da novíssima poesia portuguesa
m. alberta menéres, e. m. de mello e castro
moraes editora
1971
 



21 novembro 2021

maria amélia neto / meditação sobre sísifo

 
 
Vi-o de novo,
Pela alquimia ancestral da solidão.
De novo se afundou no tempo
A pergunta desde sempre murmurada,
E o fogo crepitou suavemente
E queimou, uma a uma,
As horas da noite.
 
Trazemos na retina a eternidade.
Da aurora
Conhecemos os sinos,
Os planetas adormecidos,
O rio coberto de junquilhos mortos.
Do resto do tempo
Conhecemos o orgulho,
A lucidez desumana,
A tela por pintar,
E o ruído subtil do medo.
 
Aprenderemos a crescer ao lado das roseiras?
A saciar de sol a demência do vazio?
A destruir as velhas raízes?
 
Fluido, fluido é o cerco da solidão.
 
 

maria amélia neto
equinócio
1962

 




24 julho 2014

maria amélia neto / o medo


Surgiu
Por detrás
Da nuvem escura
Que tapou a lua.
Escorregou
Sobre a planície,
Negro,
Envolto
Em longas chamas.
Era meu.
Pertencia-me.
Era o medo


maria amélia neto
o vento e a sombra
1960