Às vezes, em
navegáveis noites de
luar, acordo
dentro dos teus sonhos.
E se assim
te invado, sem desculpa,
nem pudor, a
intimidade violada,
é para
dizer-te num sussurro que
sou bem
real, não essa imagem
gasta de
boneco alado, viajando
em
imperceptíveis caudas de cometas.
Com passos
de veludo, para não ser grande
o sobressalto,
percorro em câmara lenta
os corredores
da tua alma adormecida,
plantando a
semente de promessas adiadas.
De tudo me
sirvo: deixo postais de viagem,
triviais fotografias
e até ridículas cartas de amor.
Em vão
procuro convencer-te de que existo,
à margem
silenciosa da história dos humanos.
Terminada,
porém, a noctívaga expedição,
a verdade é
que tudo fica na mesma:
e já que
assim te esqueces de mim,
apressar-me-ei
a apagar sem remorsos
os vestígios
da breve passagem sonâmbula.
Quando,
esquecido, regressares das estrelas
mais tardias,
reconhecerás, afinal, que terei
sido sempre
eu a fiel morada que buscavas.
Então, e só
então, perdurarei eu, mortal e
imperfeito,
no rasto de cinza que deixares.
ricardo gil soeiro
voo rasante
antologia de poesia contemporânea
mariposa
azual
2015