Ao Herberto Helder
e ao Luís Carlos Patraquim
Os meus mortos deram-me versos – um rio
acampado na memória.
(Os pássaros tomam o ar do seu canto – vento,
vento espantado.)
E se troveja,
Cobrem-se de colchas e de toalhas os espelhos
da casa;
colocam-se três montículos de cinza fresca
nos cantos interiores das portas,
e um fio de sorte, em sal grosso, ao longo do peitoril
das janelas voltadas a nascente – que se fecham,
flor do mato,
sem luz eléctrica nem água canalizada;
sem para-raios.
Sem para-raios,
desmembram os relâmpagos, faísca
sobre faísca,
as árvores antigas da terra – que rodeiam,
estremecem – amuleto e feitiço,
como se Deus se soletrasse
na pedra inaugural do meu rosto.
zetho cunha gonçalves
noite vertical
poemas reunidos 1979-2021
maldoror
2021