Agora que é velha,
os homens não metem conversa com ela,
por isso as noites estão livres,
as ruas que ao crepúsculo eram tão perigosas
são agora tão seguras quanto o prado.
À meia-noite, a povoação está serena.
Os muros de pedra reflectem o luar;
nos passeios, é possível escutar os ruídos nervosos
dos homens estugando o passo para casa, para as
suas mulheres e
mães; a
esta hora tardia,
todas as portas estão trancadas, as janelas às
escuras.
Quando eles passam, não reparam nela.
É como uma folha de erva seca num campo de
gramíneas.
Por isso, os seus olhos, habituados a não
descolarem do chão,
são agora livres para passear onde quiserem.
Quando faz bom tempo e está cansada das ruas,
caminha
pelos campos que demarcam o fim da povoação.
Às vezes, quando é Verão, chega a ir até ao rio.
Os jovens costumam encontrar-se não muito longe
daí,
mas agora o rio está raso por falta de chuva, por
isso
a margem está deserta –
Na altura, faziam-se piqueniques.
Os rapazes e as raparigas acabavam por formar
pares;
Passado algum tempo, metiam-se pelos recessos dos
bosques
que o crepúsculo sempre visita –
Agora, não se veria vivalma nos bosques –
tendo os corpos nus encontrado outros lugares para
se esconder.
No rio, a água é só suficiente para que céu
nocturno
desenhe padrões nas pedras cinzentas. A Lua brilha,
uma pedra entre muitas outras. E o vento
levanta-se;
sopra as pequenas árvores que crescem à beira do
rio.
Quando olhamos para um corpo, vemos uma história.
Assim que esse corpo deixa de ser observado,
a história que tentava contar acaba por se perder –
Em noites como esta, ela chega a caminhar até à
ponte
antes de voltar para trás.
O cheiro do Verão persiste em todas as coisas.
E o corpo dela começa a parecer outra vez o corpo
que fora o seu
em jovem,
reluzindo sob as roupas ligeiras de Verão.
louise glück
uma vida de aldeia
tradução de frederico pedreira
relógio d´água
2021