26 janeiro 2022

wislawa szymborska / instante

 
 
Vou pela ladeira da colina verdejante.
Erva, florinhas na erva,
como nas gravuras para crianças.
O céu enevoado, a ficar azul.
A vista para as outras colinas propaga-se no silêncio.
 
Como se por aqui não tivesse havido nenhuns câmbricos, silúricos,
rochas rosnando umas às outras,
abismos sublevados,
nenhumas noites em chamas
nem dias em baforadas de trevas.
 
Como se por aqui não se tivessem deslocado planícies
em febris delírios
e gélidos calafrios.
 
Como se somente em outro lugar se tivessem revoltado os mares
e se rompessem as orlas dos horizontes.
 
São nove e trinta, hora local.
Tudo no seu lugar e em impecável concórdia.
No vale, a pequena ribeira na qualidade de pequena ribeira.
A vereda sob a forma de vereda desde sempre e para sempre.
 
O bosque sob o pretexto de bosque por toda a eternidade, ámen.
No alto, os pássaros no papel de pássaros em voo.
 
Até onde a vista alcança, reina o instante.
Um desses instantes terrenos
aos quais se pede que perdurem.
 
 
 
wislawa szymborska
instante
trad. elzbieta milewska e sérgio neves
relógio d'água
2006
 




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