(2)
segunda
Ei-la pois – essa paisagem de Outono
De que tanto toda a vida eu tive medo:
E o céu – como um abismo em fogo,
E os sons da cidade – como do outro mundo
Escutados, alheios para sempre,
Como se tudo aquilo com que dentro de mim
Toda a vida lutei, recebesse uma vida
Separada e se corporizasse nestes
Cegos muros, neste negro jardim…
Mas nesse minuto por detrás do meu ombro
A minha antiga casa ainda me vigiava
Com um olhar semicerrado, sem benevolência,
Essa janela para sempre inesquecível para mim.
Quinze anos – como se quinze séculos
De granito eles tivessem fingido ser,
Mas eu era eu própria como um granito:
Agora suplicava, sofre, chama-me
Infanta do mar. Tanto faz. Não é preciso…
Era preciso era a mim própria convencer-me
De que tudo isso aconteceu muitas vezes
E não comigo só – com outros também,
E até pior. Não, pior não – melhor.
E a minha voz – e isso, creio, era
O mais assustador – disse da escuridão:
«Há quinze anos atrás tu com qual canto
Foste ao encontro desse dia, tu aos céus
E aos coros das estrelas aos coros das águas suplicaste
Que saudassem o solene encontro
Com aquele de quem hoje partiste…
Eis pois as tuas bodas de prata:
Chama os convidados, exibe-te, celebra!»
Março de 1942
Taskent
anna akhmatova
poemas
trad. joaquim manuel magalhães e
vadim dmitriev
relógio d´água
2003