Muitas vezes me perdi no mar,
o ouvido cheio de flores recém-cortadas,
a língua cheia de amor e de agonia.
Muitas vezes me perdi no mar,
como me perco no coração de alguns garotos.
Não há noite que, ao dar um beijo,
não sinta o sorriso da gente sem rosto,
não há ninguém que, ao tocar um recém-nascido,
esqueça as imóveis caveiras de cavalos.
Porque as rosas buscam numa fronte
uma endurecida paisagem de osso
e as mãos do homem não têm mais sentido
que imitar raízes debaixo da terra.
Como no coração de alguns garotos,
muitas vezes me perdi no mar.
Ignorante da água, vou procurando
uma morte de luz que me consuma.
federico garcia lorca
poemas
trad. de eugénio de andrade
assírio & alvim
2013