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06 maio 2021

david lehman / objectivo

 
 
“Qual é o objectivo dos seus poemas?”
Fico contente por me terem perguntado isso
aqui de pé na aula de Inglês do décimo primeiro ano de Mr. Ferry
na Lake Forest High School
tenho pensado muito sobre “objectivo”
Caminhar com ar determinado em Nova Iorque
tem vantagens óbvias no frio da noite ventosa
e é ainda melhor quando não se trata de fingimento
sabe-se para onde se está a ir
de dia para dia
e sabe-se quando termina
é pois como uma história com princípio meio e fim
não podiam contudo dizer-me o objectivo
da humilhação no ensino secundário e eu não podia dizer-lhes
a finalidade deste sonho em que nos levantamos destas carteiras,
vamos para a universidade de onde saímos advogados, fracassos ou
                                                                                               [donas de casa
e quando acordamos não temos recordação alguma
deste encontro às escuras mas todavia persistirá
e trará repouso à nossa alma
 
 
david lehman
uma echarpe no banco da frente
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2017




27 julho 2020

david lehman / passagem escura



Ele disse que sentia a falta da cidade. Queria dizer que sentia a falta dela
E o seu hábito de cravar cigarros, aparecer tarde,
Com ar de opulência. Não admirava ele não conseguir lembrar-se
Da cara dela de manhã ou do nome do país
Onde estava ou da natureza exacta da sua missão.
Receava perdê-la se a olhasse, mas
Não conseguia evitá-lo. E ela devolvia o olhar
Com os olhos maiores e mais tristes que ele já vira.
Depois ela desaparecera, engolida por uma multidão oceânica,
Uma multidão carnavalesca cheia de carteiristas e ladrões,
A distância entre os amantes continuou a estender-se
E ele continuou a chamar por ela. O oceano lançou-a
Numa costa estranha. Algumas pessoas usavam máscaras,
Tinham todos bebido vinho de mais. Estava escuro,
No bar a cassete durava sessenta minutos,
Ele já ouvira “These Foolish Things” em Francês
Sete vezes, só que desta vez outra pessoa estava com ele,
Cuja face ele nunca consegue ver. O sono para variar
Veio rapidamente. A sua ambição era grande.
Ele disse que se referia a ele. Na verdade a qualquer um.



david lehman
uma echarpe no banco da frente
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2017






30 maio 2020

david lehman / robert desnos


                               para Ron Horning


Não sei se um ponto é possível,
Um novo começo, um fim menos arbitrário
Do que a minha própria morte; mas falei tanto
De deuses, sonhei tanto as suas ausências
Sussurrantes, que ao calar-me
Naqueles momentos antes da morte, sinto que estou a ouvir
A escuta dos deuses.



david lehman
uma echarpe no banco da frente
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2017







18 dezembro 2018

david lehman / interior holandês




Ele gostava da luz do fim de tarde a diminuir
Na sala de estar e não acendia
As luzes até passar das oito.
A mulher queixava-se, chamava-lhe sombrio, mas
Não era um caso de melancolia; gostava apenas
Do aspecto das coisas no ar cada vez mais escuro
Tão gradual e imperceptivelmente que parecia
O próprio ambiente em que vivemos. Todos os homens
E mulheres merecem um momento verdadeiro de grandeza
E este era o seu, este interior Holandês, onde se entrou,
Que se possui, tão calmo e contudo tão cheio
De detalhes: as roupas despidas do casal espalhadas
Nas costas das poltronas, o cão atrás dum sapato,
A janela bem aberta, a luz do fim de tarde.



david lehman
uma echarpe no banco da frente
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2017







23 novembro 2018

david lehman / 8 de março




De vez em quando o meu pai vem
visitar-me pendura o sobretudo e o chapéu
no meu bengaleiro dou-lhe conta
das novidades e faço café para os dois
fica surpreendido por eu gostar de cozinhar
uma vez quando fez uma omelete
virou-a no ar para grande prazer meu
e caiu no chão sim foi
no verão de 1952, lembrava-se
das ondas gigantes e de como sem medo
eu corria para o oceano de qualquer forma
o importante é ver saíres-te
tão bem disse pegou no casaco e no chapéu
e foi-se embora antes de eu me lembrar que estava morto



david lehman
trad. francisco josé craveiro de carvalho
eufeme
magazine de poesia
n.º 4 julho/setembro 2017