27 julho 2020

david lehman / passagem escura



Ele disse que sentia a falta da cidade. Queria dizer que sentia a falta dela
E o seu hábito de cravar cigarros, aparecer tarde,
Com ar de opulência. Não admirava ele não conseguir lembrar-se
Da cara dela de manhã ou do nome do país
Onde estava ou da natureza exacta da sua missão.
Receava perdê-la se a olhasse, mas
Não conseguia evitá-lo. E ela devolvia o olhar
Com os olhos maiores e mais tristes que ele já vira.
Depois ela desaparecera, engolida por uma multidão oceânica,
Uma multidão carnavalesca cheia de carteiristas e ladrões,
A distância entre os amantes continuou a estender-se
E ele continuou a chamar por ela. O oceano lançou-a
Numa costa estranha. Algumas pessoas usavam máscaras,
Tinham todos bebido vinho de mais. Estava escuro,
No bar a cassete durava sessenta minutos,
Ele já ouvira “These Foolish Things” em Francês
Sete vezes, só que desta vez outra pessoa estava com ele,
Cuja face ele nunca consegue ver. O sono para variar
Veio rapidamente. A sua ambição era grande.
Ele disse que se referia a ele. Na verdade a qualquer um.



david lehman
uma echarpe no banco da frente
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2017






Sem comentários: