01 junho 2020

jack gilbert / falhar e voar



Todos se esquecem que Ícaro também voou.
É o mesmo quando o amor chega ao fim,
ou o casamento falha e as pessoas dizem
que sabiam ser um erro, que todos
disseram que nunca resultaria. Que ela tinha
idade para saber como as coisas são. Mas qualquer coisa
que valha a pena fazer, vale a pena fazer desastrosamente.
Como estar ali naquele oceano estival
no outro lado da ilha enquanto
o amor se extinguia nela, as estrelas
cintilando tão extravagantemente nessas noites que
qualquer um poderia perceber que não perdurariam.
Estava adormecida na minha cama todas as manhãs
como uma visitação, a brandura nela
como antílopes erguidos no nevoeiro da alvorada.
Via-a regressar todas as tardes
pelo quente campo pedregoso depois de nadar,
a luz marítima atrás de si e o céu imenso
do outro lado. Ouvia-a
enquanto almoçávamos. Como podem dizer
que o casamento falhou? Como as pessoas que
regressaram da Provença (quando era Provença)
e disseram que era bonita, mas a comida gordurosa.
Acredito que Ícaro não falhava enquanto caía,
chegava apenas ao fim do seu triunfo.



jack gilbert
deixem-me ser ambos
trad. leonor castro nunes e marcos pereira
destrauss
2020






1 comentário:

rafaelmendes disse...

Belo poema, Gil. Não conhecia traduções do Jack Gilbert em português. Eu traduzi alguns de seus poemas no meu blog, deixo aqui para você: https://poetrybilingue.wordpress.com/. Abraço